A Espiritualidade Quaresmal do agente de pastoral carcerária
Proposta da Igreja para o período quaresmal: o povo de Deus, líderes e agentes de pastoral carcerária.
A Quaresma é entendida no conjunto da celebração do mistério pascal de Cristo. A Quaresma prepara para a Páscoa: a Ressurreição de Jesus Cristo. O período atual precede a Páscoa. Não há Páscoa sem preparação. Nenhum tempo litúrgico está desligado do conjunto do Ano Litúrgico.
A Quaresma nos convoca à conversão, mudança de vida: cultivar o seguimento de Jesus Cristo. São Paulo diz: Por causa dele(Jesus), perdi tudo e considero tudo como lixo, a fim de ganhar Cristo e ser encontrado unido a Ele. Mas continuo correndo para alcançá-lo pelo Cristo Jesus”(Fl 3,8-9.12). O profeta Isaías mostra a vontade de Deus:”Lavai-vos, limpai-vos, tirai da minha vista as injustiças que praticais. Parai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem, buscai o que é correto, defendei o direito do oprimido, fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva”(Is 1,16-18). É necessário voltar ao primeiro amor.
Os seguidores de Jesus Cristo não se deixam abater pela contradição, pela violência, pela injustiça. Alimentados pela gratidão do encontro vislumbram sempre o novo céu e a nova terra. Saem ao encontro dos irmãos e irmãs, despertando-os para a beleza da Boa Nova. No caminho do Calvário e da Ressurreição, Jesus nos revela que muitos necessitam de mãos servidoras e de ombros amigos para compartilhar o peso da cruz.
Os que seguem Jesus, alimentados pela Palavra de Deus e pelo testemunho, formam uma comunidade evangelizadora, uma comunidade dinamizadora pela misericórdia.
Na Quaresma, tempo para avaliar o nosso ser cristão, somos convocados a renovar nosso compromisso, o nosso discipulado. Quem é seguidor de Jesus almeja promover a fraternidade e segue seu exemplo de amor aos pequenos, abandonados e aos que mais sofrem. A sociedade é o grande campo de atuação e testemunho dos cristãos. É nela que seremos desafiados a dar nosso testemunho e nossa contribuição na construção do Reino de Deus.
Na Bíblia o número 40 é bastante frequente para representar períodos de 40 dias ou quarenta anos, que antecedem ou marcam fatos importantes: 40 dias de dilúvio, 40 dias de Moisés no Sinai, 40 dias de Jesus no deserto antes de começar o seu ministério, 40 anos de peregrinação do povo de Israel no deserto. O tempo da quaresma é um tempo favorável para meditar, refletir e rezar em torno da realidade prisional.
O agente de pastoral carcerária alimenta sua vida espiritual diariamente pela oração, pela leitura e meditação da Palavra de Deus, pela participação da vida comunitária, especialmente na Eucaristia, com a finalidade de fortalecer a fé, alcançar perseverança, e estar em contínua comunhão com o amor de Jesus Cristo.
A escuta da Palavra de Deus – O Papa Francisco diz na Misericórdia ET Misera:”A cada domingo, a Palavra de Deus é proclamada na comunidade cristã, para que o Dia do Senhor seja iluminado pela luz que dimana do mistério pascal. Na celebração Eucarística, é como se assistíssemos a um verdadeiro diálogo entre Deus e o povo. Com efeito, na proclamação das leituras bíblicas, repassa-se a história da nossa salvação por meio da obra incessante de misericórdia que é anunciada. Deus nos fala ainda hoje como a amigos, convive conosco nos oferecendo a sua companhia e nos mostrando a senda da vida. A sua palavra faz-se intérprete dos nossos pedidos e preocupações e, simultaneamente, resposta fecunda para podermos experimentar concretamente a sua proximidade”(M ET M n. 6).
Exercitar-se no perdão – Vivemos o período quaresmal iniciado com as palavras na imposição das cinzas na quarta-feira de cinzas:”Convertei-vos e crede no Evangelho”. A conversão é contínua. O perdão é o nível mais visível do amor do Pai, que Jesus quis revelar em toda a sua vida. Nos últimos momentos da sua existência terrena, ao ser pregado na cruz, Jesus tem palavras de perdão:”Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem”(Lc 23,34). Nada que um pecador arrependido coloque diante da misericórdia de Deus pode ficar sem o abraço do seu perdão. É por este motivo que nenhum de nós pode pôr condições à misericórdia; esta permanece sempre um ato de gratuidade do Pai celeste, em amor incondicional e não merecido. Por isso, não podemos correr o risco de nos opor à plena liberdade do amor com que Deus entra na vida de cada pessoa.
Identidade da Igreja – Samaritana… No presídio de Roma, o Papa Francisco afirma e reafirma a identidade da Igreja e das comunidades cristãs: a de uma Igreja samaritana, Cirinea e Verônica, capaz de parar diante do sofrimento da humanidade, de ajudar o peso da dor e de expressar sua ternura enxugando suas lágrimas e limpando seu rosto ensanguentado. O Papa anuncia uma Igreja viva, presente na história da humanidade capaz de manifestar e comunicar ao nosso tempo e à história a vida plena de Jesus Cristo Resuscitado.
Alguns elementos da espiritualidade da pastoral carcerária(e para o agente de pastoral)
Espiritualidade de comunhão, de inclusão e de diálogo. A Igreja é comunhão no amor. Esta é a sua essência através da qual é chamada a ser reconhecida como seguidora de Cristo e servidora da humanidade. Assim somos chamados a cuidar uns dos outros.
Espiritualidade da encarnação – de presença, de escuta e de acompanhamento. Jesus de Nazaré enviado ao mundo como salvador, é o caminho, a verdade e a vida. Ele é o pastor que busca a ovelha perdida, vai ao encontro do filho pródigo, acolhe a mulher pecadora…
Espiritualidade do encontro com Jesus Cristo – O Papa Bento XVI disse que não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas através do encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva.
O encontro com Jesus se dá na comunidade. “Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles”(Mt 18,20). Encontramos Jesus na Sagrada Escritura, fonte de vida para a Igreja e alma de sua ação evangelizadora. A Eucaristia é o lugar privilegiado do encontro do discípulo com Jesus Cristo. Em cada eucaristia, os irmãos celebram e assumem o mistério pascal, participando n´Ele. A Eucaristia é o centro da vida cristã, o ponto mais alto.
Espiritualidade profética em defesa da vida. A Igreja está a serviço de todos os seres humanos. A espiritualidade profética leva em conta a pessoa toda. O cristão é sensível e solidário diante das injustiças, da dor, do sofrimento, da miséria e da fome.
Na Quaresma nos associamos ao Cristo crucificado e ressuscitado. “Se alguém quiser me seguir, tome cada dia sua cruz e siga-me”. Diante de situações difíceis, Jesus vendo a multidão como ovelhas sem pastor, teve compaixão.
Não nos conformamos diante de tantas situações de dor, sofrimento, violência, morte, abandono, superlotação nos presídios… Preparando-nos para mais uma páscoa, renovamos a nossa fé, nosso amor, nosso discipulado. O seguimento de Jesus Cristo, alimentado pela Palavra de Deus e pela Eucaristia, nos desafia a não desanimarmos, mas seguir em frente, avançar para águas mais profundas, ser próximo do outro, uma Igreja em saída que vai ao encontro, que acredita, que luta em defesa da vida. Tudo exige conversão. No lava-pés, Jesus disse: “Eu vos dei o exemplo para que assim como eu fiz, vós também façais…Amai-vos uns aos outros”. Paixão, Morte e Ressurreição. Páscoa é vida nova. Não há Páscoa sem morrer aos nossos pecados. Da Páscoa surgirá nova alegria, compaixão e decisão para ir ao encontro do irmão que está preso. Reforçamos nossa fé de ser presença de Jesus junto com os presos.
+ Dom Liro Vendelino Meurer – Bispo de Santo Ângelo e Referencial para a Pastoral Carcerária do Regional Sul 3.