A Fome
O tema, o fenômeno, a realidade da fome tem assombrado a humanidade desde seus primórdios. Em pleno 2022, numa era tecnológica e digital, a falta de comida suficiente é uma realidade que atinge mais de um bilhão da humanidade.
Enquanto me pus a escrever sobre este tema (dilema), apareceram-me duas notícias referentes a esta dramática situação. Um dizia que de cada dez viúvas no mundo, uma passa necessidades e fome. A outra, de um bispo do Quênia, dizia que na África, em vários países, as consecutivas estiagens, ataque de gafanhotos, a Covid-19 e agora a guerra na Ucrânia que impede exportação de grãos, deixa estes países em estado crítico de fome.
Mas a realidade da fome não está só longe de nós. Se pisarmos o chão de nossas cidades e bairros, veremos que muitas famílias têm dificuldades em ter seu ‘pão de cada dia’ suficiente. Há poucos dias participei de um debate sobre o enfrentamento da fome, aqui em Porto Alegre, e ouvi dos que compunham a mesa que a fome tem rosto, cor e classe social. Os pobres, negros, crianças e idosos são os mais atingidos. As obras sociais da Igreja católica, as que acompanho, revelam esta realidade. Muitas crianças vão à escola para garantir alimentação. O desemprego e a crise que se abatem sobre os mais pobres, em especial, agravam a fome nos lares. Esta é uma realidade, do mundo e de nossas ruas também.
“Eu tive fome e me deste de comer”. Há um imperativo do Evangelho que coloca todo o seguidor de Jesus Cristo, no caminho dos que se encontram em situação de necessidade. Hoje fala-se em vulnerabilidade. Mas o pobre mesmo, não usa o glossário. Ele diz:” Eu preciso, eu tenho fome”. Diante desse clamor, as iniciativas pessoais, de ajuda e partilha, têm sido admiráveis. As pessoas são sensíveis, solidárias e generosas. Só em 2021, na arquidiocese de Porto Alegre, foram arrecadadas e distribuídas 896 toneladas de alimentos. Isto é um pouco do que Jesus diz diante da multidão faminta. “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Gestos louváveis, de humanidade sensível e de fé encarnada. São ações urgentes.
Há, porém, passos que a sociedade organizada precisa se mover, com políticas que enfrentem de forma sistemática e prolongada a fome dos cidadãos. Ações planejadas e de longa duração. Temos organizações na sociedade, que respondem a esta realidade como a experiência do banco de alimentos, para dizer de uma dessas iniciativas. Mas em nível de políticas que enfrentem a fome precisamos avançar. Municípios, estados e o poder federal podem incrementar políticas de produção, na experiência da economia familiar e cooperativas, para fazer chegar às escolas, e às famílias de baixa renda, os alimentos necessários. Este ‘know-how” nós temos. E quantos empregos gera-se nesta cadeia de produção e distribuição. Não é competência minha delinear aqui políticas públicas, mas somar-me ao coro dos que creem que é possível enfrentar politicamente este flagelo. Na imensidão e na riqueza de terras de nosso Brasil. Como não acreditar?! Que os nossos candidatos não usem a fome como ‘arma’ e números das estatísticas, mas olhem, sintam a dramaticidade da situação. Há fome em nossas cidades. Esperamos que apresentem projetos políticos voltados para amenizar e superar a realidade da fome de tantos lares brasileiros. Lembrando que a ‘fome não espera.
Dom Adilson Pedro Busin, bispo auxiliar da Arquidiocese de Porto Alegre