A Justiça Social é uma exigência do Evangelho
A ONU estabeleceu 20 de fevereiro como Dia Mundial da Justiça Social. Como ocorre com outras datas, ninguém se ilude imaginando que basta dedicar um dia no calendário anual para que a justiça social vigore como planta robusta e frutuosa. A definição de uma data tem o papel de trazer à pauta uma questão vital que corre o risco de ser esquecida.
Causa-me tristeza constatar que ainda há cristãos que se ofendem ou irritam quando suas igrejas põem a Justiça Social na sua pauta pastoral ou espiritual. Para eles, essa é uma questão que não deveria sair da esfera política ou jurídica, e a Igreja deveria se ocupar de questões menos polêmicas e de caráter mais espiritual ou privado.
Ocorre que as igrejas cristãs, especialmente a Igreja católica romana, desenvolve uma Doutrina Social há mais de 130 anos (DSI). Este ensino tem unidade e coerência, e decorre da Fé na salvação integral da pessoa humana e da criação; da Esperança em uma Justiça plena; e da Caridade que considera que todas as pessoas são verdadeiramente irmãs.
Acolhendo o plano de Deus sobre a História, a Igreja propõe a todos os fiéis “um humanismo integral e solidário, capaz de animar uma nova ordem social, econômica e política”. Esta “nova ordem social” tem seu fundamento na dignidade incondicionada e na liberdade inegociável da pessoa humana, e se realiza na justiça e na solidariedade (cf. CDSI, Compêndio de Doutrina Social da Igreja, 19).
Com sua doutrina social, “a Igreja atualiza a mensagem de libertação e de redenção de Cristo, o Evangelho do Reino”. Anunciando o Evangelho, ela testemunha e proclama a dignidade própria e vocação à comunhão dos homens e mulheres concretos, e ensina-lhes as exigências e os caminhos da Justiça e da Paz (cf. CDSI, 63).
Ninguém pode ignorar que existem laços profundos entre o anúncio do Evangelho e a promoção humana. Como a Justiça Social está mais ligada à imagem cristã de Deus que à filosofia política, boa parte do ensinamento social da Igreja é uma resposta da fé aos problemas sociais mais urgentes de cada época da história (cf. CDSI, 66; 77; 81).
A Justiça é um valor intrinsicamente cristão, e consiste no reconhecimento do outro como pessoa. “A plena verdade sobre o homem” pede a superação de uma visão contratualista da Justiça (dar a cada um o que a lei estabelece) por uma visão cristã de Justiça, no horizonte da solidariedade e do amor (dar a cada um o que ele necessita) (cf. CDSI, 201).
Essa doutrina tem consequências nos vários campos da vida social. São João Paulo II, por exemplo, afirma: “Se a paz é fruto da justiça, hoje pode-se dizer que a paz é o fruto da solidariedade, pois será alcançada mediante a realização da justiça social e internacional”. No campo da produção e do consumo, todas as pessoas “o direito de usufruir das condições de vida social criadas pelo trabalho humano” (cf. CDSI, 102; 167)
Nesse mesmo horizonte, “a prática da caridade não pode se reduzir à esmola”, e “deve dar atenção à dimensão social e política do problema da pobreza”. A propósito, São Gregório Magno diz: “Quando damos aos pobres aquilo que eles necessitam, não estamos dando, mas devolvemos o que é deles; é um dever de justiça, e não um ato de caridade”.
Dom Itacir Brassiani, msf – Bispo Diocesano de Santa Cruz do Sul