Acorda, ser humano

A pandemia da COVID 19, que estamos vivendo, nos coloca a questão fundamental da antropologia que norteia nossa vida. Falou de maneira clara nosso Papa Francisco, no dia 27 de março, na Praça São Pedro, que mesmo sem palavras falava por si: “Avançamos, destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente. Agora nós, sentindo-nos em mar agitado, imploramos-Te: ‘Acorda, Senhor!’”. “Um mundo doente”, sobretudo na sua antropologia. Quanto egoísmo e falta de solidariedade. As crises são ocasião especial, um grande momento da graça de Deus, para rever nossa vida, nossa postura. O Papa conseguiu ver claro. Aliás, já falou Francisco, Bento XVI e São João Paulo II, só para citar os mais recentes, da crise antropológica e consequente crise social que a sociedade humana está vivendo.

Desde o início da modernidade o ser humano conseguiu elevar-se a um estágio de compreensão de si, pelo uso da “razão”, pela “ciência” e a “tecnologia” aplicada ao bem do ser humano. Muito bom e louvável isso. De fato, Deus nos deu a inteligência e a capacidade para grandes coisas. Contudo o grande erro foi o voltar-se sobre si próprio, sobre seu “eu”, unicamente. “Avançamos destemidos”, disse o Papa. Este é o fracasso da humanidade e, consequente, fracasso da fraternidade. Não amamos e acolhemos, mas exploramos em vista dos interesses próprios. O ser humano está doente e, a partir dele, as relações sociais. Ainda nosso Papa: “A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades. Mostra-nos como deixamos adormecido e abandonado aquilo que nutre, sustenta e dá força à nossa vida e à nossa comunidade”. Trata-se de compreender o ser humano como criatura de Deus, que depende dele sempre e salvo por ele. Isto não nos livra da pandemia, mas no recoloca no caminho certo, certos de que temos em quem confiar.

Ao invés do grito dos discípulos ao Senhor para que acorde e os salve (cf. Mc 4,38), o grande grito é para nós: acorda, ser humano! Somos frágeis. Embora alguns não queiram aceitar, vivemos uma crise ecológica imensa, tantas vezes lembrada pela Doutrina Social da Igreja. Ela é fruto de posturas erradas, com propósitos de “empacotar e esquecer o que alimentou a alma dos nossos povos” (Francisco). Somos frágeis quando queremos dividir o mundo, ideologicamente, com muros e cercas, os bons e os maus. Na verdade não: somos uma única grande família. Nosso inimigo é comum, sem bandeira política. Somos frágeis em nossa economia, que cada dia sofre mais e, claro, aumenta a pobreza. Por isso, insistimos que é tempo de cuidar. Somos frágeis em nosso corpo, que precisa ser protegido e cuidado, com o auxílio de tantos, especialmente os profissionais da saúde. Somos frágeis em nossa alma, revelando-se sensível neste tempo de afastamento social. Cuidemos de nosso equilíbrio emocional, na convivência familiar, sobretudo. Somos frágeis em nosso espírito. Esta pandemia nos revela que, sem Deus, que seria do ser humano? Um homem que fica longe de Deus e sua salvação, que será dele? Nossa fragilidade nos faz olhar para o alto e reconhecer que temos em Deus nossa origem e finalidade. Nossa fé grita: acorda, ser humano. Olhemos a grandeza da cruz do Senhor e quanto amor que Ele nos dá sempre. Caminhemos na humildade, como criaturas de Deus. Deus não é nosso concorrente, mas aquele que está sempre junto, em todos os momentos. Lembremos a imagem bíblica de nossa origem: feitos da argila, com o sopro da vida (cf. Gn 2,7).

Jesus, na barca, repreende os discípulos dizendo: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” (Mc 4,40). Confiamos no Senhor Ressuscitado, que vive conosco.

Dom Adelar Baruffi – Bispo Diocesano de Cruz Alta