Atire a primeira pedra!
No segundo dia do mês de março imagens de câmeras de segurança e pessoas viram um padre roubando, violando o sétimo mandamento e/ou cometendo o delito enquadrado no art. 157 do Código Penal. O fato teve ampla repercussão por ter sido praticado por um padre e em três lugares em sequência. Muitas perguntas, especulações e hipóteses sobre as motivações por ele ter agido assim, ainda precisam ser respondidas. Neste contexto, também não faltaram as condenações sumárias e os “falsos testemunhos” de que trata o oitavo mandamento. O fato do roubo e tudo o que aconteceu depois, tanto em nível midiático, nas redes sociais, nas conversas informais também deve ser objeto de estudo e de reflexão. Ligando com a Campanha da Fraternidade, é objeto de diálogo e para ser diálogo é preciso falar, ouvir, ponderar para se chegar à verdade.
Creio que seja possível fazer uma analogia deste fato com uma passagem bíblica de João 8, 1-11, mesmo que o pecado seja outro. No texto bíblico citado, colocam diante de Jesus uma mulher “flagrada em adultério”. Prisão em flagrante. A lei previa tratar o adúltero do mesmo modo, mas ele não foi apresentado (cf. Levítico 20, 10). Os escribas e fariseus recordam a Jesus o que diz a lei: “apedrejar tais mulheres”. A foto publicada do padre na delegacia, depois de preso, ou a foto de qualquer outro preso, é parecida com a situação da mulher apresentada a Jesus. Quando a imagem aparece muitos já dão a sentença, mesmo antes da conclusão das investigações.
No caso da mulher adúltera, os acusadores pedem que Jesus seja o juiz. Como estava demorando para dar a sentença, insistiram e fizeram toda pressão possível. Não adiantou a pressão e a manipulação dos fatos. O juiz era justo. “O Senhor não vê como o homem: o homem vê a aparência, o Senhor vê o coração” (1 Samuel 16, 7). As aparências são parte da verdade, indicam para ela, mas não são toda verdade. Num iceberg a parte aparente é ínfima em relação ao todo. As aparências são facilmente manipuláveis tanto para amplificar fatos, quanto para diminuí-los ou até escondê-los.
Os que jogaram a mulher na roda eram especializados no jogo das aparências e na provocação. Numa outra oportunidade, Jesus, que via além das aparências, os comparou com sepulturas. Externamente podem ser esteticamente belas e enfeitadas, porém no seu interior todas recebem cadáveres em decomposição. Como resposta à condenação sumária desejada, Jesus faz uma pergunta: “Quem estiver sem pecado, atire a primeira pedra!”
Depois disto Jesus dá a sentença: “Eu também não te condeno. Vai, e de agora em diante não peques mais”. Nenhum ser humano e nenhuma instituição tem a clarividência de Jesus, por isso tantas sentenças são injustas. A postura de Jesus ensina claramente que ele não aprovou o comportamento adúltero. Aliás, Jesus afirmou que o adultério começa no desejo. É bem mais exigente do que a lei. Jesus também faz pensar seriamente sobre o que é uma “condenação justa”. Todos os atos pecaminosos, em linguagem religiosa, ou enquadrados como delitos na esfera criminal devem ser assumidos por quem os praticou e deve responder por eles. Mesmo sobre pequenos delitos “não se pode passar a mão”. Porém todos merecem ser tratados com dignidade e respeito em qualquer situação, mesmo que tenha cometido algum delito.
A doutrina moral da Igreja ensina que somos marcados pelo pecado original. Por isso precisamos do batismo, do sacramento da penitência, dos dons do Espírito Santo e do constante alimentar-se da Eucaristia para permanecermos em estado de Graça. São Paulo alertou de forma sábia: “Portanto, quem julga estar de pé, tome cuidado para não cair” (1Cor 10,12).
Dom Rodolfo Luís Weber – Arcebispo de Passo Fundo