Caminhar Juntos

Ser peregrina é um dos distintivos da Igreja. Amparada na herança de Israel, povo em permanente transição, desde o seu nascimento, a comunidade dos que creem e seguem a estrada do Salvador entendeu-se como igreja do caminho, povo em marcha. Essa paixão pela estrada rendeu aos primeiros cristãos o apelido de “discípulos do caminho.”

“Não temos cidade permanente, mas buscamos a que há de vir.” (Hb 13,14) O trajeto é extenso e muitas vezes extenuante. Tal qual o povo no deserto, nós caímos, nos machucamos, passamos por inúmeras dúvidas e incertezas, mas sempre sentimos a mão de Deus que nos levanta e anima a caminhar. Nessa estrada – tão cheia de percalços – transitamos não como turistas, mas como romeiros que contemplam em cada estação os pontos de encontro entre o Deus (totalmente outro) e o homem (tão previsível e tão limitado).

Os que acolhemos o chamado não podemos desistir do mundo, apesar de tudo. Ao contrário, somos pelo Mestre educados para transformar o espaço em que vivemos abrindo-nos a fraternidade, à justiça e à comunhão. Para sermos povo de Deus é essencial assumirmos tudo o que comporta a nossa humanidade entre os seus caminhos e devaneios, espelhados no homem pleno, que é Jesus Cristo. Nele está a centralidade da nossa fé e da nossa vida.

Ao trazer os “tesouros em vasos de barro” (2Cor 4,7), a barca de Pedro avança dirimindo o que vem do Espírito, do santo “Ruah” e o que vem de nossas ânsias de poder que pervertem o sentido do evangelho e nos afastam da verdadeira fé. Há momentos fortes que ajudam a discernir os rumos a tomar. São os ventos que orientam as velas conduzindo-nos por mares nem sempre tão calmos, mas percorrê-los é fundamental para sermos fieis à ordem do Senhor: “Ide!”

O Concílio Vaticano II foi um desses momentos empolgantes que ajudaram a Igreja verdejar. O bom Papa João, inspirado pelo Senhor, dizia ser necessário deixar soprar um vento novo. E como soprou! A Igreja abriu-se aos problemas do mundo, renovou-se motivando os leigos, os religiosos, os sacerdotes e os bispos ao compromisso que ultrapassa os umbrais dos templos: o compromisso de construir a civilização do amor. Lembro-me como se fosse hoje a expressão do meu primeiro reitor de seminário a dizer-nos: “Levaremos 50 anos para entender o Vaticano II.”  Vejo que ele tinha razão.

Paulo VI concluiu o Concílio e, depois dele, vieram João Paulo I, João Paulo II, Bento XVI e, agora, Francisco que nos convida a darmos um passo a mais. Não seria para dizer-nos que o que foi iniciado pelo Concílio ainda tem muito a ser compreendido e a ser realizado? Francisco convoca-nos a caminhar juntos, pois esta é a nossa vocação, como povo de Deus. Aquela Igreja de Comunhão, Participação e Missão ainda precisa sair do papel, embora muito já tenha sido feito. O papa convoca-nos a um movimento de retorno às fontes do evangelho: Uma Igreja Sinodal!

Porque o testemunho urge! Porque não podemos continuar vivendo como estranhos em meio à indiferença e ao sofrimento de tantos. Porque não é possível deixarmos passar a oportunidade de ir ao encontro de tantos afastados, de tantos discriminados e sofredores. Porque boa parte da humanidade ainda não conhece ou não ouviu falar de Jesus e de seu plano salvífico. São muitos os porquês, mas enfatizo apenas um: porque o Senhor, pelo batismo, conferiu-nos a missão de sermos “Sal e Luz”.

Nutro a grande esperança de frutos generosos do Espírito a tornar a Igreja mais unida e os cristãos mais conscientes de sua missão e do belo testemunho que podemos – e devemos – dar ao mundo. Caminhemos juntos! O caminho, nós o faremos…e o Senhor, como sempre, estará conosco na proa do barco a acalmar todos os mares.

Prof. Dr. Pe. Rogério Ferraz de Andrade