Deixo-vos a paz
Nos dias que antecedem e sucedem a Páscoa os evangelistas relatam atitudes e ensinamentos exigentes e desconcertantes de Jesus Cristo, os quais são retomados durante cinquenta dias na liturgia católica. Neste domingo, é lido, meditado e rezado o texto bíblico de João 14,23-29, onde Jesus diz: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo”. A promessa da paz que percorre todo Antigo Testamento, encontra o seu cumprimento na pessoa de Jesus Cristo. A sua paz nem sempre se harmoniza com o modo humano de entende-la e de construí-la, por isso diz que Ele não a dá como o mundo.
A paz é um tema recorrente nos textos bíblicos, isto revela a sua importância e a sua carência. Múltiplos elementos são necessários destacar para entender o seu alcance e significado. Ela é um atributo essencial de Deus e um dom divino concedido a nós. As criaturas almejam a paz, pois o universo tem uma harmonia onde todas as partes são boas e necessárias. O ser humano, mesmo em meio a suas contradições, deseja a paz. Entre os principais significados que aparecem é que a paz representa a plenitude de vida: ser completo, ter saúde, ser perfeito, estar seguro, ter prosperidade, não ter muros e excluídos.
A paz significa um bom relacionamento entre as pessoas, as famílias, os povos, entre os casais, enfim entre Deus e os homens. O contrário da paz, nos textos bíblicos, não é somente a guerra, mas tudo o que pode minar o bem-estar individual, da comunidade e das boas relações que ligam os homens entre si e os homens com Deus.
A paz se constitui uma meta da convivência social e uma responsabilidade de todos. “Bem-aventurados os que promovem a paz, pois eles serão chamados filhos de Deus” (Mateus 5,9). Esta construção necessita de fundamentos sólidos. A Doutrina Social da Igreja, inspirada em textos bíblicos e no seu magistério, aponta alguns fundamentos.
A paz é fruto da justiça. Neste caso a justiça é entendida em seu sentido amplo como respeito ao equilíbrio de todas as dimensões da pessoa humana. Quando não é reconhecido ao homem o que lhe é devido enquanto homem, quando não é respeitada a sua dignidade e quando a convivência não é orientada em direção ao bem comum a paz não é possível.
A paz é fruto do amor e da misericórdia. A justiça consegue estabelecer o equilíbrio e remover os obstáculos que impedem a cultura de paz. Em muitas situações não é possível reparar os danos causados pela violência, guerras, injustiças, conflitos, divisões. O perdão torna-se o remédio de cura para restabelecer os laços e reatar as relações rompidas. O perdão não anula as exigências da justiça e da verdade, ao contrário, a justiça e a verdade são requisitos concretas para haver reconciliação. Desejar a paz e construí-la é uma questão de amor ao próximo.
“Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não como o mundo”. Frequentemente a paz feita ao modo humano é apostar em armas como recurso para intimidar e mostrar forças. Metodologia que resulta em violência, guerras com todas as suas consequências. “Nada se perde com a paz, mas tudo pode ser perdido com a guerra”, afirmava o papa São João XXIII em 1963. As armas exigem altos investimentos que não são investidos em políticas públicas.
Desarmar ou armar os cidadãos? Um tema que está em pauta. Se Cristo “é nossa paz”, como afirma a carta aos Efésios 2,14, ao cristão cabe aprender o método proposto por Jesus. Ensinou que é preciso “desarmar os espíritos” e “guardar a espada”, como ordenou a São Pedro.
+Dom Rodolfo Luís Weber – Arcebispo de Passo Fundo