Educar o desejo

 

Temos um estilo de vida tão frenético que somos quase impedidos de meditar, refletir e até de rezar como precisamos. Muitas palavras perderam sua força, e nosso mundo se tornou prolixo demais. Somos inundados por uma torrente de palavras vazias. Muitas vezes nos encontramos numa rede de debates, discussões e argumentos que mais nos distraem da verdade e nos fazem cair em radicalismos que são desmascarados pelos fatos.

Nossos percursos individualistas já não conseguem equilibrar as pessoas e os contextos que conhecemos. Reclama-se da crise de valores, mas esquece-se das questões comunitárias e públicas, preferindo que cada experiência individual seja eterna enquanto dure.

Atualmente a necessidade transformou-se em escolha, porque o indivíduo, livre de tradições e controle social, começa a autoconceber-se como uma divindade, moldando a realidade de acordo com seus próprios desejos.  Na expansão do desejo vale o que o ser humano tem e não o que é. Hoje se deseja tudo e ao final se consome até os desejos. Um sonho de consumo, aos ser consumido, é um sonho consumado.

O desejo de ter é legítimo, mas corre o risco de tornar-se uma forma de egoísmo refinado. O uso cada vez mais intenso das drogas revela como o humano quer dilatar o tempo do prazer, mesmo que seja uma felicidade artificial. Importante é buscar um momento de fuga da realidade e adentrar numa sensação de excitação e força.

Urge passar dessa dilatação do desejo para a educação do desejo. Este, semanticamente se origina de de-sidera, isto é, originado nas estrelas. Com isso, desejar é buscar as alturas, o céu, a espiritualidade, para além dos limites deste mundo.

Perder o desejo das coisas do alto é perder o sentido de eternidade. Hoje muito se fala em necessidade de espiritualidade, quase virou moda ter uma espiritualidade sem religião, ou pior, quase antagonizando uma à outra. Ocorre que não se busca uma espiritualidade educada, como uma necessidade humana, mas é vista muito mais como um desejo a ser gratificado. Acaba-se consumindo espiritualidade. Que fica restrita à horizontalidade e carece do sentido da graça e da noção de pecado.

Educar o desejo significa dirigir o coração e os sentimentos para o alto, para a origem da vida e a fonte do sentido. Trata-se de ordenar os sentimentos para cultivar ideais possíveis, no respeito ao limite.

Para os cristãos, educar para o desejo é trabalhar por uma ética do sacrifício que é motivada pela fé de que Deus recompensará até mesmo um copo de água dado com amor. Essa recompensa não está no tempo, mas além do tempo, porque a história para o cristão, não é o horizonte último nem o tribunal definitivo.

Ora, não basta ser religioso para ser cristão, mesmo que ser cristão leve a ser religioso. Os ideais do Evangelho são superiores aos valores imanentes e a convivência civil.

 

Dom Leomar Antônio Brustolin – Arcebispo Metropolitano de Santa Maria e Presidente do Regional Sul 3