Escola não é Prisão!

Vitor Hugo, um dos maiores dramaturgos que a humanidade trouxe à luz destacou-se não apenas pela qualidade literária de seus textos, mas, e especialmente, pela sua visão de humanidade. Em “Os miseráveis” retratou o homem em estado ‘cru’, um ser de muitas facetas, capaz do melhor e do pior.

Nessa obra, imortalizada pela crítica, o escritor apresenta a figura terna do Monsenhor Bievenu, bispo de Digne. Esse personagem nunca mais saiu da minha memória devido à sua incrível agilidade de pensamento aliada à misericórdia, compaixão e fé na possibilidade de transformação do ser humano.

Ao acolher o ‘perverso’ Jean Valjean, o Bispo oferece-lhe casa, comida e uma cama confortável para recostar-se numa noite fria. O ímpeto criminoso do hóspede, entretanto, faz com que deixe o seu vício imperar sobre a caridade do anfitrião, roubando-lhe e fugindo em meio à madrugada. Preso pela polícia, Valjean é conduzido à casa de onde subtraíra os talheres de prata. Interrogado pela polícia o Monsenhor Bievenu reporta-lhes que não havia sido roubo, mas que ele mesmo havia dado aqueles talheres, incluindo também os candelabros que Jean teria esquecido de levar.

Sem entender nada, o criminoso recebe do bispo um abraço e o sussurro ao seu ouvido: “eu vou comprar sua alma do diabo e vou devolvê-la a Deus.” A cena causou-me arrepios. O religioso avisado por sua sobrinha que haviam sido surrupiados por Valjean permaneceu impassível e resignou-se a dizer algo como “esses talheres não  nos pertencem, já estavam conosco há muito tempo, já era hora de passarem para outros.”

Obviamente essa atitude do bispo não nos permite deduzir que se tratasse de alguém relapso, descuidado ou que compactuasse com o que é errado. Em meio àquela confusão ética, o autor busca alguém que se imponha moralmente, não pela força, não pela vingança, não pelo ódio, mas pela misericórdia. Muitas vezes já retornei a esse episódio e confesso que me emociono porque sempre vejo ali uma atitude verdadeiramente cristã, de quem compreendeu o evangelho em sua essência.

Teria sido também Vitor Hugo a dizer que “quem abre uma escola fecha uma prisão”. Essa que sempre foi um espaço sagrado de proteção tem se tornado, neste triste momento da história, palco de atentados e ameaças. Há de se fazer uma leitura mais ampla, para além do fenômeno que ora experienciamos. É preciso tocar nas feridas de uma sociedade que trata os professores como ‘empregados’ das famílias ou do estado, a fim de resgatar a dignidade da missão docente.

O santuário do saber encontra-se ameaçado e não será com batalhões de policiais que iremos resolver esta crise, muito menos com muros e grades. Com todo respeito que cultivo aos que trabalham na segurança (pública e privada), escola não é lugar de polícia. Chega a ser escandaloso as crianças terem que entrar escoltadas nas escolas devido à incapacidade de governos combaterem o crime  e os criminosos.

Tivessem os gestores públicos de ontem e de hoje investido e dignificado a profissão docente, muita coisa poderia ser evitada, pois teríamos pessoas mais qualificadas no campo da educação e, consequentemente, em toda a sociedade. Agora nos debatemos com a possibilidade da violência que nos ronda, mas ainda permanecemos cegos à agressividade que cometemos quando instigamos as crianças a enfrentarem os professores, gravarem as aulas, publicarem ofensas nas redes sociais dentre outras formas de violência, que se tornaram usuais, mas não normais.

Linda e terna atitude de gestores de escola recebendo pais e mães nesta confusão, ouvindo suas angústias, abrindo-lhes também as portas para estabelecer conexões mais afetuosas que os reanimem a serem artesãos da paz em seus lares, oferecendo às crianças e jovens referenciais focados na compaixão, na fraternidade e na reconciliação. Sempre sonhei com as escolas abertas para todos os de boa vontade, tornando-se espaço para as famílias dialogarem e conviverem. Façamos mais isto! Quanto mais próximos estivermos uns dos outros, menos espaço haverá para quem acalenta intenções maldosas.

Prof. Dr. Rogério Ferraz de Andrade