Gente de Fibra
Gosto de gente determinada. Pessoas que, mesmo em meio ao turbilhão em que a vida está mergulhada, olham para o futuro e não se deixam aprisionar pelas circunstâncias negativas ou pelos dramas, a que todos estamos sujeitos. Com sinceridade, há pessoas que me cansam.
A história do homem não foi fácil, desde o início. A vida sempre foi uma luta, os desafios fizeram-nos, na verdade, chegarmos até aqui. E hoje vivemos num mundo confortável até demais. Ao menos nós que temos um emprego, comida na mesa, casa onde morar. Não, não estou minimizando os problemas e as angústias pelas quais temos passado, entretanto, alerto para o cuidado necessário a não nos enfileirarmos no coro das carpideiras, dos descontentes e fazer de cada dia um hino de lamentação porque temos algo a superar.
Impressionam-me certos discursos – e são quase sempre os mesmos- a afirmar que estão sobrecarregados, cansados, que estão apreensivos, desanimados, etc etc etc. Bem-vindo ao clube. Como se isso fosse privilégio de alguns. Todos sofremos, todos estamos passando por momentos difíceis. Vitimizar-se não irá resolver a situação nem tornar mais leve os nossos fardos.
Confesso que fico assustado quando deparo-me com pessoas saudáveis, com boa formação, salários razoavelmente bons que de dentro de suas casas só sabem emitir mensagens negativas reclamando aborrecimentos por não poderem fazer o que gostariam ou pior, por estarem abarrotados de trabalho para fazer. Talvez nossa geração não tenha passado pelo que passaram nossos pais e avós. Talvez muitos não se deem conta do quão privilegiados têm sido por terem onde morar, trabalho que garanta uma vida aprazível e a possibilidade de pedirem um delivery quando bem entenderem. A esses eu convidaria para um breve tour pelas vilas e favelas da cidade onde as pessoas apinhadas tentam dar conta de uma vida sem as mínimas condições de higiene, saúde e dignidade.
Quem sabe se alguns abrissem as janelas do carro quando passam perto dos viadutos ou se parassem seus carros para conversar com alguma pessoa em situação de rua para ver o que é sofrimento ou o que seria de fato motivo de preocupação. Entretanto, teriam grande surpresa ao perceber que muitos desses que aí estão sem qualquer perspectiva de futuro, à mercê da sorte e da caridade dos outros não se deixaram contaminar por essa nossa fantasiosa ideia de vida boa que temos: satisfazer-nos e fazer nossa vontade acima de qualquer coisa. Nossa vida “planejada”, dentro da caixinha, com horário britânico para o chá das cinco não existe mais. É preciso aceitar o luto e encarar a nova vida que podemos ter. E nada de pôr nas costas dos outros, de achar culpados ou de querer transferir o que nos cabe.
A nós que contemplamos, qual Narciso, nossa epopeia nesta crise mundial considerando-nos guerreiros, heróis de uma guerra em que não há vencidos nem vencedores, faria muito bem deixar de lado por alguns instantes as reclamações, os olhares de ‘peixe morto’ de quem espera piedade e aplausos para ver com compaixão os que verdadeiramente estão sofrendo, ou como afirmou Radcliffe: “Esqueça a sua felicidade, preocupe-se com a das outras pessoas e será mais feliz do que pode imaginar.” Meu conceito de gente de fibra é outro.
Prof. Dr. Pe. Rogério Ferraz de Andrade