Inveja: Reivindicação Estéril e Infeliz

A ciência da psicologia fala da inveja como uma dimensão muito presente no desejo humano, onde se
acolhem os nossos fantasmas de medo e destruição mais arcaicos. Perante o objeto real ou imaginário do
desejo, nós desatamos a gritar, “é meu”, “é meu”. O desejo invejoso não experimenta satisfação em si
mesmo, na sua existência, naquilo que é. Extrai, antes, a sua força em impedir o outro, num jogo de
rivalidade destrutiva que não olha para os meios.

A psicanalista Melanie Klein conta esta história ilustrativa: “Era uma vez um homem que vivia invejando o
vizinho. Certo dia, foi visitado por uma fada, que lhe ofereceu a extraordinária possibilidade de realizar
naquele momento um desejo, por maior que fosse, mas com uma condição: ‘Poderás pedir o que quiseres,
desde que o teu vizinho receba o mesmo e em dobro’. O invejoso respondeu então: ‘O meu desejo é que
arranques imediatamente um dos olhos’”. A obsessão de ver o outro prejudicado prevaleceu sobre qualquer
vontade na ordem do bem, mesmo em relação a si próprio.

Estranho sentimento, a inveja. E, contudo, tão infiltrado nas nossas relações, tão abrasivo da vida interior,
tão capaz de fazer em cacos ambientes (da família, da escola, do trabalho, da igreja…). Muitas vezes a
inveja é olhada com impotência, como se não houvesse nada a fazer, ou até condescendentemente, porque
a verdade é esta: qualquer um de nós, em alguma ocasião, não está livre de incorrer nela. O encolher de
ombros, no entanto, é corroborar uma derrota. Infelizmente o nosso papel na vida dos outros não é
exatamente esse.

O grande filósofo Kierkegaard explicava a inveja como uma admiração transtornada, e com isso toca na
ferida. De fato, aquele que inveja, reveste o seu objeto de uma admiração que tem pouco a ver com a
realidade. Imagina que aquilo que o outro possui (inteligência, sucesso, beleza, bens, o que seja…) lhe
confere uma espécie de onipotência, o coloca a salvo da fadiga de viver, da sua turbulência e de sua dor,
como inteiramente falsas. A desproporcionada felicidade que sonhamos que há nos outros obsidia-nos, e
essa admiração adoecida e experimentada como uma perda pessoal é uma injustiça, numa modalidade tão
avassaladora que suscita uma ânsia irreversível de destruição, de cancelamento do outro. A inveja é o
sentimento diruptivo em relação a outra pessoa que possui ou desfruta algo de desejável – e o impulso do
invejoso é eliminar ou estragar o que pensa ser a fonte daquela alegria. O outro deixa de ser parceiro e
torna-se um rival. Deixa de ser uma existência autônoma e diferenciada para andar, na maior parte dos
casos sem saber, enredado nos dramas, ficções e combates fantasmáticos do eu. Deixa de constituir a
possibilidade criativa de um encontro, para viver capturado num ressentimento que alaga tudo de
mesquinhez e sombra.

O contrário da inveja é a gratidão, e esta está intimamente ligada à confiança no bem que se desenvolve
nos outros, no bem que o outro é em si mesmo (independente de mim) e no bem que eu recebo dele. A
experiência de gratificação que o outro constitui torna-se, então, uma escola de generosidade: passamos a
ser capazes de compartilhar com os outros o nosso dom. A inveja é uma reivindicação estéril e infeliz. A
gratidão constrói e reconstrói o mundo, dentro e fora de nós.

Dom Jacinto Bergmann – Arcebispo de Pelotas