Luto: uma fase a ser superada?

 

A morte de alguém que nos é próximo, sempre é inesperada. A bem da verdade, mesmo nas situações de doença terminal, idade ou que quer que seja, quando ocorre, demonstra de imediato que nunca estamos prontos para dizer adeus a quem amamos, a quem faz nossa vida ser bela, a quem nos é importante e dá sentido aos nossos dias. A dor do luto, esse conjunto complexo de emoções pelos quais passamos nas despedidas e que não raro não sabemos descrever e que as lágrimas expressam melhor que as palavras nos desconcerta, questiona nossas crenças, limita nosso pensar diante do choque com a certeza da fragilidade e da finitude da vida. A morte é sempre uma conhecida intrusa que não queremos convidar para casa, embora ela venha e esvazie aos poucos nossa rede de afetos até o dia em que nós mesmos seremos levados.

Não raro, quando nos defrontamos com alguém sofrendo a ausência definitiva de quem terminou seus dias terrenos, ou quando nós mesmos somos confrontados com a saudade, não sabemos bem como viver a morte de quem amamos. Isso mesmo; viver a morte! Sentir a dor, chorar o que for preciso, ritualizar a despedida, se deixar consolar e pouco a pouco reposicionar-se na vida com a falta de quem até então, ocupava no nosso cotidiano um espaço insubstituível. Mas nosso mundo, sociedade pós moderna marcada pela liquidez das relações, pelo cansaço de atingir metas, pela busca efêmera por sentir-se bem a todo custo, pela enxurrada de informações ao toque dos dedos, pelo barulho frenético das mídias e pelo anestesiamento do ser humano em relação às questões mais profundas sobre si, o mundo, e que já não reflete sobre os mistérios e verdades da existência, tem feito com tudo que lhe é penoso pensar, relegado ao ostracismo ou ao banal. E é assim mesmo que a morte e o luto são tratados.

Ninguém fala sobre morrer, sobre preparar-se para se despedir, sobre fortalecer-se emocionalmente para dizer adeus, mas ao mesmo tempo, quanta morte é apresentada como entretenimento pela indústria do bem estar? Através de séries, filmes, games; fora a redução da vida ao número, na contagem de mortos nas guerras, doenças, acidentes de trânsito, violências de todo tipo. Ouvimos e vemos sobre morte todo dia, mas é como se não nos tocasse, até o momento que somos nós os imbricados na roda do destino de tudo que vive.

Assim, não raro, se escuta no afã das boas intenções, o eco de ideias que já contaminadas pelo ritmo de existências fugazes quer apressar a dor, diminuir sua intensidade, mascarar a realidade com frases de efeito que nada ajudam; querer superar o luto porque afinal, a vida segue. Criamos um tempo ritualizado para sofrer, num misto de religiosidade e convenção social. 7 dias, 1 mês, 1 ano… Como se a dor coubesse na medida do tempo, esquecendo que existindo no tempo, a dor durará enquanto tivermos afetos e memória para recordar do que vivemos no decurso dos dias.

O tempo não cura a dor, mas o amor torna o fardo das ausências físicas mais suportável. E vamos aos poucos, aprendendo a carregar a dor que no início do luto nos carregava. O que temos que aprender é a respeitar os momentos de cada um, e a forma única como cada pessoa vai se readequando na vida com os pedaços que a morte lhe tirou, mas também com a cicatrizes e novidades que esta trás. Novidades porque é inédito ter que aprender a viver desacostumado pela presença de quem antes sempre estava conosco.

O frenesi do mundo tende a desconsiderar totalmente que cada pessoa tem seu tempo e modo para processar seus lutos, quer que sigamos lutando. Mas, como pode ser possível superar, esquecer do dia que vimos uma pá de terra devolver ao pó quem amamos? Não, não é possível. Porque ainda que a morte nos leve embora nossos amores, parentes, amigos, vizinhos, separe casais, deixe filhos órfãos, encerre sonhos de muitos jovens, e leve embora a sabedoria dos idosos, jamais será possível superar a dor. Ela vai estar ali. Com o tempo, ela passa quase despercebida, mas as vezes vem de assalto, num gatilho qualquer que faz a memória dos afetos saltar forte e a saudade agir como um martelo, mascerando cicatrizes.

Portanto, se posso dar uma recomendação seria apenas uma: Viva tua dor sem pressa, ela é tua e revela o quanto de amor tens em cada lágrima. Aceite o luto como uma presença na vida, mas dê a ele o seu lugar, não morra com os teus mortos, estás vivo, e vivem em ti aqueles que amas, e que mesmo agora na ausência dos abraços, estão presentes no coração, nos dedos que se cruzam para rezar, se permita sofrer, e pouco a pouco verás que dá pra seguir em diante, e que a vida nos deixa mais fortes quando, além de chorarmos ausências, agradecemos a presença de quem outrora fez nosso dias felizes.

 

Pe. Daniel Chagas – Diocese de Cruz Alta