Manifestação da bondade e misericórdia de Jesus na narração da Paixão
Vamos ouvir, no Evangelho da Missa do Domingo de Ramos e da paixão, a narração da Paixão descrita por S. Lucas. Percorrendo esta narração confrontamo-nos com a instituição da Eucaristia. Somente São Lucas refere a observação de Jesus, depois de tomar o pão e dar graças: “Fazei isto em memória de Mim”. Neste “partir o pão” está resumida toda a sua vida, partilhada e doada aos homens. Só aquele que partilha a própria vida pelos outros pode partir o pão eucarístico com pureza de coração. Se assim não for a repetição do gesto litúrgico e a respectiva comunhão será um rito esvaziado e um gesto mentiroso.
Logo após a instituição da Eucaristia os apóstolos discutem entre si qual deles seria o maior. Jesus toma a palavra para explicar que na nova comunidade, a Igreja, a única autoridade é apenas o serviço. Servir como Jesus mede-se a partir de baixo, da disponibilidade, da amabilidade, do respeito, da capacidade para dialogar e compreender. Os que mais servem são os maiores. São grandes, porque possuem um coração grande, com capacidade para acolher, perdoar, para amar aqueles que são desprezados pelos que têm por seu lado a força, o poder, os títulos ou os cargos.
Outra manifestação da misericórdia e bondade de Jesus reporta-nos ao Horto das Oliveiras. A fim de impedir a afronta, a violência e a injustiça contra o seu Mestre, os apóstolos pegam nas espadas. Um deles corta a orelha direita do servo do sumo-sacerdote. Jesus, num gesto de bondade e misericórdia, “tocando na orelha do homem, curou-o”. A mensagem é esclarecedora: o discípulo não só não pode agredir ninguém, mas deve estar pronto a curar as feridas provocadas pelos outros.
Igualmente, Jesus tem um gesto de bondade e misericórdia para com Pedro que, depois de ter renegado o Mestre, saiu e começou a chorar. “O Senhor, voltando-se, fixou os olhos em Pedro” sem o recriminar. Este gesto indica a sua compreensão e confiança perante a fraqueza do seu discípulo. Quem é humilhado e envergonhado pelos seus erros, se não se sente acolhido e estimado, apesar dos suas falhas, acaba por se fechar em si mesmo, sem indício de recuperação. Como Jesus, cada cristão deve ser compreensivo com a fraqueza dos irmãos, olhando-os com um olhar que deve ir mais além daquilo que os olhos podem divisar, procurando transmitir um clarão de amor e compreensão que os ajude a recomeçar.
Herodes representa todos aqueles que procuram Jesus apenas porque esperam obter dele alguma graça, ou prodígio particular. Interpreta os que se fazem cristãos por pensarem que com as orações ou práticas religiosas poderão gozar de melhor saúde, mais sorte, sucesso na vida, ou alcance dos seus objetivos. Ora, o verdadeiro cristão deve ser aquele que pratica o amor, a misericórdia, a bondade em favor do irmão necessitado, porque assim o ensinou Jesus.
Na cruz contemplamos Jesus rodeado por dois ladrões. Um deles ultrajava-o, o outro não. Este, chamando por Jesus, pede-lhe: “Jesus, lembra-te de mim, quando vieres com a tua realeza”. E Jesus responde-lhe: “Hoje estarás comigo no Paraíso”. A sua bondade e misericórdia tornam a revelar-se perante estes infelizes que erraram na vida. Depois de cumprir a sua peregrinação nesta terra, volta para o Pai, mas leva consigo alguém que nos representa a todos: um pecador recuperado pelo seu amor. Pensemos nisto e recordemos que “na cruz, podemos tocar a misericórdia de Deus e deixar-nos tocar pela sua própria misericórdia.”