Medo de morrer

É normal que o ser humano tenha medo de morrer. Contudo, a presença da pandemia do coronavírus acentuou este medo. Todos estamos ainda praticamente reclusos, em nossas casas, exatamente por prevenção, para nos cuidarmos. O instinto da vida, da sobrevivência, da busca da felicidade, da realização da vida, do seu sentido, sempre está presente. Sabemos que iremos morrer um dia, mas não o queremos. A pandemia descoloriu a vida, trouxe novamente, sem os adornos, na maioria das vezes desnecessários, aquilo que torna a vida “inautêntica” e nos distrai da questão fundamental, como afirmou o filósofo Heidegger. Só olhamos para a vida, verdadeiramente, quando conseguimos abstrair de tudo o que nos distrai. A questão da morte é central para a vida humana. “É em face da morte que o enigma da condição humana se torna mais denso” (GS, n.18). De fato, o morrer é o horizonte da vida humana.

Pensamos em preservar a vida humana, curar, cuidar. Nada é mais importante do que a vida humana, todas as vidas. Ela está em primeiro lugar. Depois vêm as questões econômicas, também muito preocupantes, visto que todos dependemos delas. A economia não pode preceder o cuidado pela vida. A cada dia acompanhamos o número dos que morrem. Só que não são números, são pessoas, com rostos, com histórias, com famílias. Nunca a morte de alguém pode trazer indiferença ou estar só numa estatística. Sabemos que, antropologicamente, o morrer já acontece anteriormente, com as perdas cotidianas, inclusive de alguém que amamos ou de si mesmo, pelos aniquilamentos existenciais. Vamos aprendendo, na vida, a integrar as perdas e crescer na resiliência para enfrenta-las. Elas são parte do caminhar. De maneira mais difícil a questão da morte se apresenta quando os infectados são isolados, basta ouvir os que já estão curados, bem como pela pressão social das dificuldades de atendimento pelo sistema de saúde. Também, pelo modo como são realizados os velórios e o sepultamento, algumas vezes em valas comuns. O cuidado pela vida passa por ritos, que são tão humanos quando o viver: a proximidade, o amor dispensado e o abraço silencioso e orante na despedida com todo ritual previsto.

Nossa fé, a partir da qual nos movemos, nos fala que nossa vida é um grande dom de Deus, imerecido. Nascemos uma única vez, para caminharmos para a vida eterna, junto de Deus. Existe uma ansiedade no ser humano, pois“o prolongamento da longevidade biológica não pode satisfazer aquele desejo duma vida ulterior, invencivelmente radicado no seu coração” (GS, n. 18). E, continua o Concílio, falando do fim feliz de nossa vida: “o homem foi criado por Deus para um fim feliz, para além dos limites da miséria terrena” (GS, n.18). Se carregamos conosco esta certeza, poderemos, então, dizer ao Senhor, todos os dias, que a vida futura é mais importante que a vida presente. Daí entendemos a postura de alguns mártires, como São Maximiliano Kolbe e, recentemente, o Pe. Giuseppe Berardelli, de 72 anos, de Bérgamo, que, no dia 24 de março passado, morreu depois de recusar ser colocado em um respirador que seus paroquianos haviam comprado para ele e, nesta pandemia, ofereceu a um paciente mais novo o equipamento. Ou, também, o grande ideal de vida de todas as instituições que cuidam dos doentes, especialmente as irmãs religiosas, como Santa Teresa de Calcutá, que ensinou suas coirmãs a sorrirem sempre aos que cuidavam e iriam partir. Assim, partiriam deste mundo com a imagem de alguém feliz.

O mais importante é fixar nosso olhar na morte de Cristo, na sua cruz. Nela, todos nós contemplamos aquele que morreu por nós, em cuja companhia consoladora e salvadora posso viver todo o sofrimento. Diante do sofrimento da perspectiva da morte, neste tempo de pandemia, a fé cristã continua a anunciar o evangelho: nascemos de Deus, vivemos com Deus e vamos para Deus.

Dom Adelar Baruffi – Bispo Diocesano de Cruz Alta