Misericórdia e reconciliação 

 Dom José Gislon – Bispo Diocesano de Erexim

O tempo da Quaresma é propício para refletirmos sobre a nossa vida de cristãos à luz da Palavra de Deus, dos documentos da Igreja e da vivência da fé no cotidiano da vida. Esta reflexão não tem por objetivo nos afastar da realidade em que estamos vivendo, nem fechar os olhos para o que está acontecendo ao nosso redor, que toca diretamente a dignidade da nossa vida, da vida dos irmãos e irmãs e a vida da mãe natureza, Casa Comum de todos nós.

Pode acontecer que a cada Quaresma deixemos o saudosismo bater à porta do nosso coração enchendo-o de bonitas recordações do passado, que certamente marcaram a nossa vida espiritual pessoal, familiar e comunitária, mas que atualmente pode estar servindo de consolo e imobilizando-nos para a vivência da prática quaresmal no contexto atual. É visível na comunidade de fé que não conseguimos transmitir às gerações mais jovens os valores das práticas quaresmais que marcaram positivamente a vida pessoal e familiar num passado recente.

As profundas transformações causadas na sociedade trouxeram também uma mudança nos “costumes de vida que até ontem eram aceitos por todos”. Elas influíram fortemente na prática religiosa, principalmente nos mais jovens, provocando uma espécie de ruptura na transmissão de valores até então considerados fundamentais no compromisso cotidiano da fé, no ambiente familiar e comunitário. A sensibilidade de muitos jovens em relação às questões que atingem diretamente ou indiretamente a dignidade de vida de milhões de pessoas, que estão além do seu pequeno círculo de amizade, pode servir de alerta para abrirmos os olhos a fim de vermos que a nossa fé deve estar comprometida com a realidade da nossa comunidade, sem deixar de ver o que está acontecendo no horizonte e que vai ter impacto na vida de milhões de pessoas. Principalmente na vida dos menos favorecidos e mais fragilizados pela exclusão e participação nas estruturas decisórias que ditam o destino do nosso País.

Quaresma é um tempo propício para alargarmos o coração, lembrando do amor e da misericórdia de Deus, mas também requer disponibilidade para a reconciliação. Sem a disponibilidade para percorrermos este caminho, que passa pelo coração, vamos continuar a olhar o mundo com os olhos da indiferença que fortalece o egoísmo, destrói a Casa Comum, fragiliza a fraternidade e esvazia o nosso coração das virtudes que nascem de uma relação com Deus na oração, na meditação, na prática da caridade e no serviço à vida.

 

 

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