O desafio da unidade na diversidade
Em maio, mês das mães – e da grande Mãe de Deus e nossa –, fazemos memória do início do Concílio de Niceia, realizado há 1.700 anos. Isso mesmo: 1.700 anos atrás, na cidade de Niceia (na Turquia), no dia 20 de maio iniciava o primeiro grande Concílio Ecumênico da Igreja. Era o ano de 325! O papa Francisco, na Bula de Proclamação do Ano Jubilar de 2025, que estamos vivenciando, Spes Non Confundit (A esperança não decepciona), assim falou sobre este aniversário significativo: “O Concílio de Niceia teve a missão de preservar a unidade, então seriamente ameaçada pela negação da plena divindade de Jesus Cristo e da sua igualdade com o Pai. […] Depois de vários debates, todos, com a graça do Espírito, se reconheceram no Símbolo de fé que ainda hoje professamos na Celebração Eucarística dominical”. Sabemos que há uma versão mais antiga e concisa do Símbolo da fé, o Credo dos Apóstolos, geralmente recitado nas missas dominicais em nossas Igrejas do Brasil e também nas Solenidades, mas a versão elaborada nos Concílios de Niceia e Constantinopla, os dois primeiros Concílios Ecumênicos da Igreja (realizados em 325 e 381), é mais detalhada e igualmente rica. Essa versão é conhecida como Credo Niceno-Constantinopolitano para recordar sua origem nestes dois Concílios da Igreja.
O aniversário da realização do Concílio de Niceia, afirma o papa Francisco, “convida os cristãos a unirem-se no louvor e agradecimento à Santíssima Trindade e, em particular, a Jesus Cristo, o Filho de Deus, consubstancial ao Pai, que nos revelou este mistério de amor”. Niceia constitui também “um convite a todas as Igrejas e comunidades eclesiais para avançarem rumo à unidade visível, não se cansando de procurar formas apropriadas para corresponder plenamente à oração de Jesus: Que todos sejam um só, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti; para que assim eles estejam em nós e o mundo creia que tu me enviaste (Jo 17,21)”.
Esta busca de unidade permanece sendo um dos grandes desafios na humanidade. Coincidentemente, no dia seguinte ao aniversário do início do Concílio de Niceia, ou seja, no dia 21 de maio, celebramos o Dia Mundial da Diversidade Cultural para o Diálogo e o Desenvolvimento! Celebramos a riqueza das culturas do mundo e também o diálogo intercultural tão necessário para alcançar a paz e o desenvolvimento. A data foi estabelecida pela ONU (Organização das Nações Unidas) em 20 de fevereiro de 2003. E poderíamos dizer que faz parte da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948: o respeito pela diferença entre as culturas, a solidariedade entre os povos, a coesão social, o diálogo, a cooperação para alcançar a paz… “A diversidade cultural é tão necessária para a humanidade como a biodiversidade para a natureza”, lemos na Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural. Falando em biodiversidade, 22 de maio é o seu dia! A biodiversidade é essencial para a vida em nosso Planeta, chamado carinhosamente de Casa Comum. Vivemos juntos nesta Casa. E deveríamos cuidar dela com muito zelo, muito cuidado. Abraçar a causa ambiental e a Ecologia Integral é uma necessidade, mais do que uma opção.
A busca de unidade, portanto, ultrapassa um mero desejo subjetivo, devendo ser considerada essencial. E é neste contexto que nos aproximamos do aniversário de 10 anos da Encíclica de Francisco sobre a Casa Comum, sobre a Ecologia Integral, sobre o Meio Ambiente, Laudato Si (Louvado sejas). Dia 24 de maio! Assim lemos no início da carta do papa:
“LAUDATO SI’, mi’ Signore – Louvado sejas, meu Senhor, cantava São Francisco de Assis. Neste gracioso cântico, recordava-nos que a nossa Casa Comum se pode comparar ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços: Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras.” É uma citação do Cântico das Criaturas, de São Francisco de Assis…
“Esta irmã”, continua o papa Francisco na carta Encíclica Laudato Si, “clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou. Crescemos pensando que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la”. Uma violência, observa o papa, “que está no coração humano ferido pelo pecado”. E as consequências são inevitáveis e explícitas, todos percebemos, “sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos”. Dentre “os pobres mais abandonados e maltratados” está “a nossa terra oprimida e devastada, que geme e sofre as dores do parto (Rm 8,22). Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra (cf. Gn 2,7). O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos”. Uma admoestação do papa a todos nós! E que já completa 10 anos!
A Laudato Si é concluída com duas belas orações. Na primeira, a Oração pela nossa Terra, rezamos a “Deus Onipotente, presente em todo o universo e na mais pequenina das criaturas”, pedindo que Ele envolva a todos com ternura e que nos dê a força de seu amor “para cuidarmos da vida e da beleza”. Pedimos, também, a paz, “para que vivamos como irmãos e irmãs sem prejudicar ninguém”. Pedimos, ainda, ajuda no resgate aos “abandonados e esquecidos desta terra”, que tanto valem aos olhos de Deus. E a oração segue: “Curai a nossa vida, para que protejamos o mundo e não o depredemos, para que semeemos beleza e não poluição nem destruição. Tocai os corações daqueles que buscam apenas benefícios à custa dos pobres e da terra. Ensinai-nos a descobrir o valor de cada coisa, a contemplar com encanto, a reconhecer que estamos profundamente unidos com todas as criaturas no nosso caminho para a vossa luz infinita. Obrigado porque estais conosco todos os dias. Sustentai-nos, por favor, na nossa luta pela justiça, o amor e a paz. Amém”.
A segunda oração é para rezar com a Criação. Uma beleza! Para rezar, como São Francisco rezava, como o próprio Jesus rezava, como tantos santos e santas rezavam… Rezemos, pois, unidos a todos e todas, apreciando a Criação com todos os nossos sentidos (visão, audição, tato, paladar e olfato). São como que portas de acesso ao divino:
Nós Vos louvamos, Pai, com todas as vossas criaturas,
que saíram da vossa mão poderosa.
São vossas e estão repletas da vossa presença e da vossa ternura.
Louvado sejais!
Filho de Deus, Jesus, por Vós foram criadas todas as coisas.
Fostes formado no seio materno de Maria, fizestes-Vos parte desta terra,
e contemplastes este mundo com olhos humanos.
Hoje estais vivo em cada criatura com a vossa glória de ressuscitado.
Louvado sejais!
Espírito Santo, que, com a vossa luz, guiais este mundo para o amor do Pai
e acompanhais o gemido da criação,
Vós viveis também nos nossos corações a fim de nos impelir para o bem.
Louvado sejais!
Senhor Deus, Uno e Trino, comunidade estupenda de amor infinito,
ensinai-nos a contemplar-Vos na beleza do universo, onde tudo nos fala de Vós.
Despertai o nosso louvor e a nossa gratidão por cada ser que criastes.
Dai-nos a graça de nos sentirmos intimamente unidos a tudo o que existe.
Deus de amor, mostrai-nos o nosso lugar neste mundo
como instrumentos do vosso carinho por todos os seres desta terra,
porque nem um deles sequer é esquecido por Vós.
Iluminai os donos do poder e do dinheiro
para que não caiam no pecado da indiferença, amem o bem comum,
promovam os fracos e cuidem deste mundo que habitamos.
Os pobres e a terra estão bradando:
Senhor, tomai-nos sob o vosso poder e a vossa luz,
para proteger cada vida, para preparar um futuro melhor,
para que venha o vosso Reino de justiça, paz, amor e beleza.
Louvado sejais!
Amém.
E que a Mãe de Deus nos ajude a cuidar da Mãe Terra, unidos na diversidade, na biodiversidade, na interculturalidade, pois habitamos numa Casa Comum!
+Dom Juarez Albino Destro, rcj
Bispo Auxiliar de Porto Alegre (RS)