O Olhar da Fé, da Esperança e da Caridade
Como bispo auxiliar da arquidiocese de Porto Alegre, sendo referencial para o Vicariato de Canoas, entre os dias 14 e 19 de maio de 2024 estive percorrendo as cidades de Canoas, Esteio, Gravataí, Sapucaia do Sul e Viamão, visitando algumas comunidades eclesiais e obras socioeducativas, seminários da arquidiocese, que se transformaram em abrigos, pontos de coletas de alimentos e vestuário, ambulatórios, casas.
Uma mescla de sentimentos, desde a grande tristeza em ver as casas submersas, num “passeio” de barco nas ruas do bairro Rio Branco, em Canoas, nas águas marrons que inundaram tudo, inclusive as três comunidades que compõem a Paróquia da Imaculada Conceição, ou ao presenciar o choro de idosos e adultos nos abrigos improvisados nos salões paroquiais, talvez indignados ou sem alento, pessoas com o olhar distante, incrédulos, anestesiados, cansados…?
Tristeza misturada com alegria e gratidão, ao ver tantas pessoas, cristãos leigos e leigas – jovens e adultos –, seminaristas, pessoas de vida consagrada, diáconos permanentes, padres, todos, do seu jeito, envolvidos, atendendo as pessoas, separando e organizando calçados e vestuário, descarregando mantimentos, água, alimento, roupas, preparando refeições, animando e consolando…
Dentre elas, pessoas que também perderam tudo e, mesmo assim, uniram-se no serviço ao próximo! Das 10 paróquias de Canoas, um terço ficou inundada (Imaculada Conceição, Nossa Senhora de Fátima, Sagrado Coração de Jesus, Santo Antônio e São Pio X). Seus párocos foram resgatados de barco, assim como muitos dos moradores daquela região, bairros Fátima, Harmonia, Mathias Velho e Rio Branco.
Em Esteio, a paróquia Nossa Senhora Aparecida foi inundada e, em Sapucaia do Sul, duas comunidades pertencentes à paróquia Nossa Senhora de Fátima foram atingidas pelas águas. As comunidades eclesiais que não foram atingidas pelas águas começaram a se organizar para abrigar as famílias. Uma organização em mutirão, demandas surgindo e respostas buscadas, desafios, esforços, apoio, dons partilhados, Pentecostes, Eucaristia!
Certamente nos outros Vicariatos da arquidiocese – Gravataí, Guaíba e Porto Alegre – , ocorreu o mesmo. E também nas várias cidades atingidas no estado do Rio Grande do Sul. Histórias, relatos, contos, imagens, vídeos entrarão para a história, como naquela cheia de 1941.
E agora? Águas baixando, limpeza à vista, reconstrução, unidas a um sentimento de insegurança: e se as águas voltarem? Aprendizados, planejamento, logística, humanidade, caridade, esperança e, claro, fé, muita fé! Compreendemos ainda mais o significado de um “Olhar da Fé”. Como manter a esperança ao presenciar tanta destruição? Onde achar forças para o necessário reinício?
Dentre as doações recebidas na igreja Nossa Senhora das Graças, em Canoas, um dos centros de coleta e distribuição, chegaram cartinhas de crianças da cidade de Imaruí (SC). Estão com data de 10 de maio. Uma delas resume toda uma reflexão que poderia ser elaborada com elementos teológicos, filosóficos, cristológicos, sociológicos… É da Ruana, de uma escola daquela cidade catarinense: “Mesmo diante de todas as dificuldades, sei que Deus cuidará de cada um de vocês. O amor e a solidariedade são sentimentos e ações que aquecem nossos corações. Fiquem firmes, pois estamos juntos, tá? Beijos”.
Sim, Ruana, estamos juntos e estamos sentindo esse amor de tantas pessoas das várias partes do Brasil e do mundo. E isso aquece os nossos corações, com toda a certeza! Muito obrigado! Continuaremos juntos e unidos nesta mesma fé, com o bondoso Deus cuidando de nós, talvez repetindo o que já disse na época da Criação, descrito no livro do Gênesis: “Eu vos dou toda a Criação para que a cuideis, com autoridade” (cf. Gn 1,26-31). Precisamos exercer essa nossa missão de cuidar da Casa Comum justamente para evitar essas desarmonias. Que assim seja!