O Reino de Deus e a Hospitalidade
O que é central na vida e missão de Jesus aparece nos Evangelhos a partir das duas palavras tidas como próprias de Jesus: Reino e Pai. O que não pode passar despercebido é que se trata de duas palavras que, além de serem autênticas de Jesus, Reino e Pai, expressam realidades totalizantes. Ambas as realidades, apesar de serem distintas e não equivalentes, se complementam e exigem-se mutuamente.
Por isso, é necessário falar de Pai “e” de Reino. Para Jesus, a realidade última tem uma dimensão transcendente e uma dimensão histórica. O ‘reino’ depende do que se compreende por Deus como ‘Pai’. Exemplo típico são as formas diferentes de Jesus e João Batista de apresentar o advento do reino, porque tinham noções diferentes de Deus. Mas, também vale o inverso. A compreensão de Deus dependerá do que é o Reino.
É certo que Jesus fala muitas vezes em Reino de Deus . Paradoxalmente, porém nunca o define concretamente, mas afirma uma coisa importante, que o Reino está próximo. Nem mesmo nas parábolas sobre o Reino, Jesus define o que seja o Reino de Deus, por mais que acentue sua novidade, sua exigência, seu escândalo.
Jesus de Nazaré proclama o Reino como Boa Nova. Trata-se do Reino da nova justiça de Deus. Faz justos os pecadores, reconcilia os inimigos e devolve a esperança para quem a perdeu. Rompe as barreiras e os limites da antiga ordem que separava os bons dos maus, os puros dos impuros, os justos dos pecadores e os santos dos profanos. O Reino de Jesus não é deste mundo, pois renova todas as relações, mas é para este mundo e exige uma nova postura política.
Jesus não proclama simplesmente a chegada do Reino de Deus. Proclama o Evangelho do Reino de Deus aos pobres, o direito da graça vem aos maus e a alegria de Deus vem aos tristes. O Evangelho da libertação que traz o Reino de Deus proclama o êxodo definitivo.
O Reino é anunciado aos pobres, isto é, aos famintos, aos desempregados, aos doentes, aos desesperançados e aos sofredores. Jesus procura o povo submisso, oprimido e humilhado. Diante destes estão os “violentos” – conceito que descreve uma pessoa que não respeita a outra.
O Evangelho de Jesus apresenta duas faces: se de um lado anuncia a Boa Nova aos pobres (Lc 4,18), a quem pertence o Reino de Deus (Mt 5,3), do outro é um forte apelo de conversão aos ricos ( Mt 6,24).A primeira coisa que o rico deve fazer diante da aproximação do Reino é reconhecer a própria pobreza, para inserir-se na comunhão com os pobres. A conversão possibilita o seguimento de Jesus a homens e mulheres que representam a nova comunidade messiânica. Esta comunidade, nos primeiros tempos do cristianismo, era composta de pobres e ricos, de tal modo que estes últimos exercitavam o dever da misericórdia no confronto com os necessitados.
Além do anúncio do Reino de Deus aos pobres e cura de doentes, Jesus oferece o direito de Deus, que é direito da graça, aos publicanos e pecadores. Estes são um terceiro grupo de destinatários do Reino do messias. Com eles Jesus entra numa comunhão de mesa (Mc 2,15). Esta atitude do Nazareno provoca um conflito social com matizes religiosas. Num contexto que separa claramente os bons e justos, leiam-se escribas e fariseus, dos injustos maus, leia-se publicanos e pecadores, Jesus propõe uma nova postura. Acolhendo os publicanos, as prostitutas e os pecadores, Jesus não justifica a corrupção, a prostituição e o pecado, mas quebra o círculo diabólico das suas discriminações no sistema de valores nos quais os justos acreditam, e que eles próprios estabeleceram. É possível encontrar na atitude de sentar-se à mesa com os pecadores um acento messiânico da mensagem de Jesus. Ele manifesta a acolhida e o perdão dos pecados da parte do Deus Misericordioso. E convida-os para o grande banquete do Reino de Deus, antecipando-o na comunhão que ele estabelece com esses grupos.
Dom Leomar Antônio Brustolin – Arcebispo Metropolitano de Santa Maria e Presidente do Regional Sul 3