Para onde vão os pobres?

Num mundo de tantas sofisticações torna-se aviltante observar a realidade nua e crua. A aporofobia (ódio aos pobres) desmascara a sociedade artificial, que procura a todo custo criar paisagens para encobrir o que há de “feio” ou de real. Não queremos ver a vida como ela é, precisamos ocultá-la, pois ela nos ofende.

E ofende-nos justamente porque nos faz ver as grandes injustiças que geramos ao jantarmos em restaurantes caros com comidas “gourmet”, enquanto boa parte das pessoas junta lixo para comer. Os meios de comunicação noticiaram nos últimos dias a triste realidade: o índice de pobreza aumentou. Há mais gente vivendo nas ruas, há mais gente sem emprego, o valor dos alimentos subiu vertiginosamente, a violência alcança índices absurdos.

Em meio a tudo isso, acompanhamos escandalizados as ações de vários gestores pelo Brasil afora numa verdadeira operação de limpeza étnica retirando as pessoas em situação de rua à força, praticamente violentando-as, como se fossem bichos sem direito à liberdade e sem direito ao seu próprio querer. “Em nossa cidade você não tem escolha”, dizia uma prefeita a uma pessoa a quem cerceava para expulsar das ruas.

O movimento espalhado pelo mundo para jogar para longe os pobres, negando a eles o direito à existência é preocupante e pede de nós, os cristãos, crítica ativa e respostas claras denunciando práticas antievangélicas. Eu era ainda jovem quando acompanhei  emocionado junto aos meus colegas de seminário a queda do muro de Berlim. Ali, o mundo dava sinais positivos de renovação da sensibilidade, de garantia dos direitos e de um futuro mais humano para todos.

Lamentavelmente, a loucura e a soberba de alguns propõe novamente a construção de muros que separam, a destruição dos fracos levando-nos à escalada da violência, fruto não apenas da estultícia, mas da maldade e do egoísmo. De onde tiramos a ideia de que somos melhores do que os outros? Quem nos ensinou a imaginarmos que somente os nossos compatriotas têm direito ao trabalho, à dignidade, a sonhar uma vida melhor?

Não podemos nos calar e fazer de conta que não estamos vendo esse horroroso mundo que está sendo projetado por alguns, centrado no apartheid e na megalomania de alguns que se apossaram dos bens da criação. É preciso falar sobre isso nas escolas, nas famílias, nas igrejas. Cuidar da vida é encarnar o evangelho, é tornar real a palavra do Senhor, que veio para que todos tenham vida.

Em tempo: outro dia alguém reclamava dizendo que foi à missa para orar e o padre falava apenas de Campanha da Fraternidade. Segundo essa pessoa, isso não está certo. Para quem imagina que a Igreja deve falar apenas das coisas do céu, creio ser fundamental recordar a palavra de São João: “Como podes dizer que amas a Deus a quem não vês, se não amas o teu irmão,  a quem vês?” ( 1 Jo 4, 20) Para onde irão os pobres? Se não os defendermos corremos o risco de considerar normal a eliminação de milhares de seres humanos que, talvez, estejam aí para questionar nossos valores e nossa pretensão de um mundo controlado por quem detém o poder econômico. Que não nos calemos!

 

Prof. Dr. Rogério Ferraz de Andrade