Quanto vale a vida?

O mundo anda atônito com a pandemia da COVID-19. Quanto sofrimento humano! Há quem diga: “Já não aguentamos mais ficar em casa!” Sofre-se perdas de familiares, sofre-se com angústia, medo, depressão, conflitos de relacionamento, e, infelizmente, também o suicídio. No silêncio, uma voz grita: “Senhor ouvi-nos. Livrai-nos deste mal”.

Todo clamor de dor é justo e justificável. Há, porém, quem tem um peso ainda maior sobre suas costas: as pessoas vítimas do tráfico humano. Muitas delas longe da pátria e, pior, sem ter casa, nem lar, nem consolo familiar. “Estacionados” nas fronteiras, nas orlas dos mares, nas rotas das florestas, ou mesmo escondidas em lugares “invisíveis” de nossas cidades. As estatísticas da ONU revelam que 70% das vítimas são mulheres. Pessoas transformadas em objeto de comércio abominável e criminoso. É uma realidade infiltrada em muitas rotas migratórias, mas não somente. Este crime com seus tentáculos, abastece a “indústria” do tráfico de órgãos. Pervade os meandros do mundo da prostituição infantil e da exploração sexual. Mistura-se às formas modernas de trabalho escravo. Tráfico de pessoas não é apenas uma página triste de nossa história; ainda existe tráfico de pessoas no Brasil. Infelizmente, muda seu modo de atuar no decorrer histórico da humanidade. Scalabrini – pai e apóstolo dos migrantes – referindo aos traficantes de migrantes, dizia no final do século XIX: “Estes são chacais de carne humana”. Pessoas e redes de ação que não têm escrúpulo em se valer da fraqueza, da miséria ou perseguição, para explorá-las e vendê-las, jogando-as numa situação de vida que para muitos é sem volta.

Neste dia 30 de julho celebra-se o Dia Internacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Por isso, a escolha deste tema. O olhar da fé nos faz ver além de nossas paredes. A humanidade cresce quando, juntos, busca-se a superação de seus problemas. O cristão é convidado a tomar posição na vivência do Reino de Deus. Denunciar, enfrentar e combater o tráfico de pessoas é compromisso profético e evangélico. Olhos vigilantes, coração de compaixão e atitudes de compromisso, como Jesus, o Bom Samaritano. O tráfico de pessoas pode estar mais perto de nós do se pode imaginar. Informação, atenção e denúncia podem ajudar muito. O Brasil tem políticas e órgãos que enfrentam este crime. Há muitas entidades civis que estão nesta tarefa. Na ONU, e mesmo no Vaticano, há secções destinadas a trabalhar na prevenção e no enfrentamento a este crime que afeta todos os continentes. Pessoas, grupos e entidades se organizam em esfera global, como que uma “rede do bem” para enfrentar este mal. As consequências da pandemia podem agravar ainda mais a situação pelo empobrecimento geral. A CNBB, há quatro anos, criou uma comissão especial para este serviço. A conferência dos religiosos/as e várias congregações se somam a este trabalho. É uma missão árdua. Sem aplausos, no silêncio, como se deve ser, no “meio da massa”, fermentando o bem. Proteger e cuidar da vida de tantas pessoas enganadas e roubadas na sua dignidade. O rosto de Jesus é desfigurado nestes irmãos. “Eu vim para que todos tenham vida e tenham em abundância” (Jo 10, 10). E quanto vale a vida? Você pode fazer parte desta causa. Diga não ao tráfico de pessoas. Se precisar, denuncie. Disque 100.

Dom Adilson Pedro Busin, cs – Bispo auxiliar da Arquidiocese de Porto Alegre