Quebrar vitrais? Tirar rosas?

Recebi a visita de uma professora, esposa do meu primo e mãe de três filhas. A nossa conversa, num dado momento, girou em torno do educar-se para o bem comum com a questão: o que é público e o que é respeito público? Como professora aposentada, já experiente por tantos anos com crianças, ela lembrou-se das tantas vezes que usava duas estórias para a educação dos seus aprendizandos sobre o que é “bem comum”, o que é “público” e o que é“respeito ao público”.

A primeira estória: “Havia uma casa abandonada, mas conservava intactas belas janelas com vitrais. Um dia alguém passou e jogou uma pedra quebrando o primeiro vitral. Veio o segundo e concluiu que se o primeiro vitral está quebrado eu posso jogar uma pedra e quebrar o segundo vitral. Assim passou o terceiro, o quarto e sucessivamente outros até que todos os vitrais estavam quebrados”.

Os aprendizandos ainda não captavam na íntegra a resposta do que significava o bem comum, o público e o respeito ao público. Afinal, vitrais de uma casa abandonada parecem não servir para nada o que é bem comum, o que é público e o que é respeito público. Contava então a segunda estória: “Havia um belo jardim numa praça pública com várias rosas floridas. Passou um cidadão, pensando que as rosas eram “públicas”, levou uma consigo. Veio o segundo e concluiu que se a primeira rosa alguém tirou eu posso tirar uma segunda rosa para mim. Assim passou o terceiro, o quarto e sucessivamente outros até que todas as rosas foram tiradas egoisticamente para cada qual que as tiraram”.

Pelas estórias contadas, as crianças finalmente entenderam o significado do bem comum, o que é público e o que é respeito ao público. Portanto, o que é bem comum, o que é público e o que é respeito ao público é não apoderar-se para mim o que é de todos. O que é de todos é de todos e não o que é de todos é para mim somente. Público é sinônimo de “todos para todos” e não é sinônimo de “todos para mim”. Por que apoderar-se egoisticamente daquilo que é de todos? Apoderar-se do público para mim é quebrar a lógica do bem comum e, consequentemente, quebrar a natureza da felicidade:o que me faz feliz é o que faz feliz a todos!

Precisamos nos educar para não quebrar o primeiro vitral! O vitral da sacralidade de minha consciência não quebrado, faz feliz o meu ser “imagem e semelhança de Deus”. O vitral da ordem da casa do nosso lar não quebrado, faz mais feliz a nossa família. O vitral da beleza do aprendizado comunitário de nossa escola não quebrado, faz mais feliz o trabalho vocacional e profissional futuro. O vitral do sentido maior da vida vivido na nossa comunidade de fé não quebrado, faz mais feliz os filhos de Deus.

Precisamos nos educar para não tirar a primeira rosa! A primeira rosa e as demais rosas, enfeitando o nosso ser, não podem ser tiradas: como fica a sacralidade da nossa consciência presente em nós? A primeira rosa e as demais rosas, perfumando os nossos lares, não podem ser tiradas: como fica a docilidade do convívio familiar na nossa existência? A primeira rosa e as demais rosas, sensibilizando as nossas escolas, não podem ser tiradas: como fica o aprendizado da convivência social na nossa vida? A primeira rosa e as demais rosas, fundamentando a nossa experiência do Deus-Amor vivenciado na comunidade de fé, não podem ser tiradas: como fica a filiação de Deus e a fraternidade com os outros seres humanos e com a “Casa Comum”? A primeira rosa e as demais rosas,humanizando a nossa cidade, não podem ser tiradas: como fica a preciosidade do bem comum, do público e do respeito ao público?

A educação do“não quebrar vitrais” e do “não tirarrosas” continua sendo urgente e sem tréguas para todos.

Dom Jacinto Bergmann – Arcebispo de Pelotas