Século XX: Século da Violência Paroxística
Lendo no “Livro do Sentido” do teólogo Clodovis Boff os vários pontos que ele dedica ao tema da “violência”, encontrei elementos sobre a violência paroxística presente no século passado. Dessa leitura, saiu o meu artigo de hoje.
A dinâmica niilizante da modernidade chegou o seu ponto culminante no século XX (1900-1999). Para o Papa João Paulo II, o “século XX será considerado uma época de ataques maciços contra a vida, uma série infindável de guerras e o massacre permanente de vidas humanas inocentes”.
Concordando com esse juízo, muitos historiadores marcaram a fogo este século XX com definições como: “o século mais criminoso da história” (J. Delumeau); “o século mais violento da história da humanidade” (E. Hobsbawm); “o século mais cruel dos que o precederam” (A. J. Soljenitsyn); “o século das ideias assassinas” (R. Conquest); “o século do ódio” (G. Mariani); “o século do medo” (G. Pinzani); “o século do genocídio” (R. Gellately e Ben Kiernan); “o século dos gulags e dos campos de extermínio” (T. Todorov); “o século do mal” (M. Martelli); “o século das grandes catástrofes humanas” (S. Courtois); “o matadouro da história” (De Carli); “um réquiem satânico” (L. Begley).
Na folha corrida deste século sangrento encontramos duas guerras mundiais, regimes totalitários, ideologias criminosas, revoluções endêmicas, racismo, genocídios (desde o dos armênios até os de Ruanda), gulags, campos de concentração, fornos crematórios, perseguição religiosa e destruição ecológica. Nunca na história se matou tanto! No século passado a violência atingiu níveis paroxísticos de crueldade sádica e ostensiva. Autores apresentam estatísticas que assustam: 61 milhões de mortos em guerras e 127 a 175 milhões em genocídios e outras chacinas de massa.
Johann Baptist Metz, teólogo católico, definiu o século passado com uma “história de sofrimento e catástrofe”, pelo que “a crise de Deus”, para ele, seria “a assinatura do tempo”. Por sua vez, o teólogo Joseph Ratzinger, atual Papa Emérito Bento XVI, ainda na Páscoa de 1969, perguntava: “Não começa nosso século a ser um grande sábado santo, dia da ausência de Deus?” Seria à toa que o século passado, o mais violento da história, foi, ao mesmo tempo, o mais ateu? O niilismo religioso leva ao niilismo ético e este ao totalitarismo mortífero.
Ademais, é preciso também dizer que este horribile saeculum, ao tempo em que viu a derrocada do ideologismo nadificante, inaugurou, em âmbito mundial, um processo decisivo de reavivamento espiritual. Como nunca a esperança entrou na pauta do dia. Foi “bom demais”, que a “estrela da esperança” ficou na terra como parabolicamente é afirmada na “Fábula da Estrela Verde”. Segue a fábula: “Havia milhares de estrelas no céu. Estrelas de todas as cores: brancas, prateadas, verdes, douradas, vermelhas e azuis. Um dia, elas procuraram Deus e lhe disseram: – “Senhor, gostaríamos de viver na terra, entre as pessoas”. – “Assim será feito”, respondeu Deus. “Conservarei todas vocês pequeninas como são vistas e podem descer para a terra”. Conta-se que naquela noite houve uma linda chuva de estrelas. Algumas se aninharam nas torres das igrejas, outras foram brincar de correr com os vaga-lumes nos campos, outras misturaram-se aos brinquedos das crianças e a terra ficou maravilhosamente iluminada. Porém, passando o tempo, as estrelas resolveram abandonar os seres humanos e voltaram ao céu, deixando a terra escura e triste. – “Por quê voltaram?”, perguntou Deus, à medida que elas chegavam ao céu. – “Senhor, não nos foi possível permanecer na terra! Lá existe muita miséria e violência, muita maldade, muita injustiça…”. E Deus lhes disse: – “Claro! O lugar de vocês é aqui no céu! A terra é o lugar de passagem, daquilo que passa, daquele que cai, daquele que erra, daquele que morre, onde nada é perfeito! O céu é o lugar da perfeição, do imutável, do eterno, onde nada perece e sobretudo onde reside a glória do Altíssimo! Mesmo, assim, eu amo as pessoas”. Depois que chegaram todas as estrelas e conferindo o seu número, Deus falou de novo: – “Mas está faltando uma estrela! Perdeu-se no caminho?”. Um anjo que estava perto retrucou: – “Não Senhor, uma estrela resolveu ficar entre os homens! Ela descobriu que seu lugar é exatamente onde existe a imperfeição, onde as coisas não vão bem, onde há luta e dor!” – “Mas que estrela é essa?”, voltou a perguntar Deus. – “É a esperança, Senhor! A ‘estrela verde’! A única dessa cor!” E quando olharam para a terra, a estrela da esperança não estava só. Estava com os humanos. O planeta ficou novamente iluminado com a volta das estrelas, mas também havia a estrela da esperança no coração de cada ser humano”.
Que essa estrela da esperança encontre ainda mais espaço no coração da humanidade neste século XXI pelo qual atualmente somos protagonistas.
Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo de Pelotas