Tempo gratuito para Deus
Nesta semana, nosso presbitério da Diocese de Cruz Alta realiza seu retiro anual. É uma prática habitual, não somente dos padres, mas também dos religiosos e religiosas e, cada vez mais, dos leigos e leigas. De fato, os evangelhos nos apresentam Jesus, muitas vezes, retirado para orar: “De madrugada, estando ainda escuro, ele levantou-se e retirou-se para um lugar deserto e ali orava” (Mc 1,35). Vemos que Jesus busca a solidão (cf. Mc 1,35); gosta de se retirar para o silêncio da montanha (cf. Mc 14,23); aprecia a serenidade da noite (cf. Mc 1,35); realiza um retiro de quarenta dias no deserto (cf. Lc 4,1-13). Ele se retira para estar em comunhão e na intimidade com o Pai. Diz respeito ao seu ser e tudo o que vivia cada dia. É a condição de possibilidade para cumprir bem sua missão.
O Papa Francisco insistiu na importância de “evangelizadores com Espírito”, “que rezam e trabalham” e, por isso, “é preciso cultivar sempre um espaço interior que dê sentido cristão ao compromisso e à atividade” (EG n. 262). Sim, porque antes de falar de Deus, é preciso falar com Deus. O modelo é Maria, que senta-se aos pés do Senhor para escutá-lo (cf Lc 10,38-42), em contraposição a Marta, sua irmã, “ansiosa e afadigada com muitas coisas” (Lc 10,41). Santa Teresa nos disse que “a meu ver, a oração não é outra coisa senão tratar intimamente com aquele que sabemos que nos ama, e estar muitas vezes conversando a sós com ele”. Em miúdos: gastar tempo, conversar, ouvir, no recolhimento, com quem nos ama. Antes de tudo, a oração e um retiro têm um caráter gratuito, sem pretensões. É um tempo gratuito, exclusivamente gratuito, que Deus nos dá, sem outra intenção, sem realizar com Ele uma relação comercial. É “o tempo doado por Deus para que, de nossa parte, o doemos a Ele com amor sincero, em religiosa escuta de sua Palavra, custodiados por seu silêncio, no intuito de conhecer a verdade sobre nós mesmos, tornando-nos sempre mais conformes à sua vontade” (Bruno Forte). No centro da oração e de qualquer retiro está a comunhão, o diálogo que realizamos com Deus. Atenção: não é somente uma introspecção, somente um voltar-se para dentro, que pode ajudar, mas a oração é sempre diálogo, com Alguém, com um rosto e seu projeto do Reino. Por isso, mais do que grandes palestras de aprofundamento, o retiro nos pede silêncio interior e deve nos conduzir ao “encontro com Cristo”, por meio de sua Palavra e da Eucaristia.
Sabemos que, especialmente nesta sociedade ansiosa e barulhenta, precisamos de fé e muita coragem para o silêncio interior, para o recolhimento que nos coloca a sós diante de Deus. O teólogo Romano Guardini disse que o retiro é “recolher a vida com toda a sua complexidade, recolhê-la, em especial diante de Deus”. É um recolher-se na “cela interior”. É lá onde são tomadas as decisões vitais, onde me encontro com Deus, na sua presença. É o santuário do eu, onde encontramos nossa “autenticidade”. Onde me sinto realmente em casa. É repousante, por saber que estamos entregues àquele que nos conhece, nos ama e nos cuida. Mas é desafiador, porque nos vemos como somos, com nossas imperfeições e fraquezas, e projetamos o que desejaríamos ser e não somos ainda. Esta experiência não é uma solidão individualista, pois levamos conosco toda a Igreja, os irmãos da comunidade e, em Cristo, solidificamos nossa Igreja.
O retiro espiritual, que nos auxilia a amadurecermos no seguimento de Jesus Cristo e vivermos a caridade com a marca da gratuidade, deve ser para todos os batizados. Disse-nos nosso Papa: “A melhor motivação para se decidir a comunicar o Evangelho é contemplá-lo com amor, é deter-se nas suas páginas e lê-lo com o coração. Se o abordamos desta maneira, sua beleza deslumbra-nos, volta a nos cativar constantemente” (GE 264).
Dom Adelar Baruffi – Bispo Diocesano de Cruz Alta