Um passo atrás

Há dias o mundo todo vive a ansiedade da iminência de mais uma guerra. Os olhos do planeta voltam-se para as relações de conflito entre a Rússia e a Ucrânia. No dia de hoje, borbulham informações sobre explosões e sirenes que anunciam o fracasso do diálogo, apresentando os lamentáveis números dos primeiros mortos, com certeza inocentes, vítimas de uma diplomacia superada pelo personalismo e pela incapacidade convivência harmônica entre diferentes visões de mundo e de respeito aos anseios de liberdade e dignidade. Voltamos atrás uma casa, no quesito humanidade.

Analistas fazem prognósticos em relação aos bloqueios econômicos, às consequências desastrosas de uma guerra. Obviamente, há questões externas, visíveis a olho nu para qualquer um que esteja minimamente informado sobre a situação catastrófica no Leste Europeu. Entretanto, por mais terríveis que sejam as marcas deixadas após um conflito que ceifa vidas e destrói o patrimônio cultural, subjugando centenas, milhares de pessoas, há um sofrimento invisível, impossível de computar.

Não avalio as razões de ambos os lados no que tange à compreensão de quem está com a razão. Estamos recém saindo de uma pandemia que espalhou por todo o planeta o terror, a dor e o medo. Nem bem conseguimos assimilar os desastres nas relações diplomáticas internacionais, que não conseguiram unir forças para além dos posicionamentos políticos, a fim de salvar vidas e já entramos em outra demanda, que toma nossa atenção indicando-nos uma vez mais a pobreza do homem e sua mesquinhez. A vida e o seu valor não estão, definitivamente, em primeiro lugar, infelizmente.

Sou da geração que não participou de nenhuma guerra diretamente, mas quantos conflitos temos assistido neste tempo?! Todos os dias vivenciamos inúmeras guerras que matam biografias, acabam com a esperança de expectativa de futuro de tantos jovens que não dispõem de condições adequadas de vida, acesso à educação e ao trabalho e idosos, que vivem à beira da miséria, depois de anos de serviços prestados à pátria.  Avançamos no tempo, mas retrocedemos em humanidade. Neste exato momento há inúmeras guerras nascendo no coração de quem não vê a solidariedade como um valor nem respeita os posicionamentos de quem pensa diferente.

“É preciso educar para viver em comunhão. Educar para conceber a democracia como um estado de participação. Educar como ação esperançosa na capacidade de aprender o humano e de estabelecer relações mais fraternas em sociedade e com a natureza” (CF, 57). Se toda a guerra nasce primeiro no coração, então precisamos educar-nos, a fim de que, antes de levantarmos a voz ou empunharmos os rifles, sejamos capazes de ver nos outros  pessoas de direitos, dignidade e responsabilidades iguais a nós.

Acredito que mais importante do que nos posicionarmos ao lado da Rússia ou da Ucrânia, neste momento, seja darmo-nos conta das consequências sofridas por inocentes, que estão longe das mesas de decisão e do poder de ação, à mercê dos delírios de quem detém o poder. E esse poder mata, oprime e estende por gerações o sofrimento psicológico, a destruição  e tudo mais que uma guerra traz.

Oremos insistentemente ao Espírito Santo, a fim de que ilumine os governantes de todos os povos, dando-lhes ciência da efemeridade do seu poder, pois “os poderes deste mundo passam.”  E rezemos também, solidarizando-nos espiritualmente com quem, nesta hora, mergulha no pavor de ver-se em meio à guerra. Esta guerra e todas as guerras, como bem afirmou o Santo Padre, ameaçam não apenas quem está longe. É a paz de todos que encontra-se ameaçada! Rezemos! Rezemos.

Prof. Dr. Rogério Ferraz de Andrade