Vida humana: dignidade e mistério

Desde sempre o ser humano se empenha por compreender a própria dignidade. Segundo a tradição bíblica, o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus e é destinado a participar da vida divina. Ele foi criado por meio da Palavra Divina, que é viva e eficaz, e produz aquilo que indica.

A Palavra Divina forjou culturas, educou povos, construiu sociedades, santificou almas. Entretanto, hoje, essa Palavra parece ter perdido crédito. Não são poucos os espaços da sociedade onde Ela é olvidada, pisada, desprezada e manipulada segundo os mais diversos interesses. Enfim, a Palavra Divina parece não ser mais reconhecida como de fato é: Palavra de vida, e vida eterna. Porque dessa situação? Qual a razão dessa realidade?

Experimenta-se uma mudança de época. Mudanças de época são tempos desnorteadores, pois afetam os critérios de compreensão, os valores mais profundos da cultura, a partir dos quais se afirmam identidades e se estabelecem ações e relações.

Os progressos da ciência e da técnica, as ideologias econômicas e políticas, marcas da mudança de época em curso, foram levando de roldão os princípios de ordem e as forças de convivência que durantes séculos orientaram as ações e reações humanas, a nobreza das atitudes de indivíduos e grupos, de poderes, governos e instituições.

O desenvolvimento parece ter velado ao ser humano o mistério da vida e da própria realidade. Demonstração nestes últimos tempos dessa desconfiança foi aquilo que o cientista J. Craig Vender proclamou, estupefato, para o mundo: uma célula com núcleo sintetizado por computador tornou-se a primeira espécie auto replicante, cujo pai tinha sido um computador!

Tal empresa significou que o ser humano se autoconcedeu o direito de manipular o mistério da vida. O que talvez tal iniciativa não quis considerar é o fato de que a vida não pode ser reduzida a processo microbiológico. Ela é mais que química e biologia: ela inclui o sagrado, a liberdade e a gratuidade.

+ Dom Jaime Spengler, arcebispo metropolitano de Porto Alegre.