Do isolamento nasce a esperança

Nestes tempos de crise, a orientação geral é o isolamento. Ouve-se por todo lado os pedidos “permaneça em casa”, “não saia de casa”. E isso nos faz lembrar que o distanciamento social solicitado pelas autoridades sanitárias só é possível porque existe o outro. Somos, assim, recordados que o ser humano não é “algo” isolado dentro de uma concha, existindo cada um por si, de modo que apenas em determinadas ocasiões o outro apareça em nosso campo visual.

O “fique em casa” é desafiador. No atual contexto, é tarefa de responsabilização. Porque não somos uma ilha, somos convocados, neste momento, ainda mais intensamente, à corresponsabilidade social, que é o contrário de um fechamento no próprio mundo. Esta nova postura é expressão de solidariedade e disponibilidade. Disponibilidade para cooperar na superação dos desafios impostos a toda a humanidade. Solidariedade com todas as pessoas submetidas a um perigo comum.

Na resposta pessoal àquilo que a sociedade solicita de todos, está latente a possibilidade de resgatar um sentido novo – que, na verdade, não é novidade! – para as relações sociais, políticas, religiosas e econômicas. Pode ser que estejamos sendo solicitados, ainda que na penumbra do não totalmente compreensível, a penetrar mais intensamente na realidade do mundo para, a partir dela, erguer o olhar e perceber que existe esperança.

Isolamento não é sinônimo de esquecimento: não podemos esquecer do cotidiano, do mundo e de nós mesmos. Pode-se colher nessa situação uma necessidade de retorno a si mesmo, de promover o cuidado para consigo e para com quem nos é caro, e de focar no que verdadeiramente é importante.

Diante do afã cotidiano marcado por compromissos de todo tipo, mas não dispensados do senso de pertença e corresponsabilidade social, somos forçados a sondar uma nova possibilidade de vida em sociedade, onde os interesses econômicos não sejam sobrepostos ao respeito pela vida, ao cuidado do meio ambiente, e à promoção da dignidade de cada ser humano.

Precisamos acreditar que após essa crise provocada por um vírus virá uma revolução humana, capaz de nos salvar, salvar o clima e o planeta. Há uma bondade e beleza presentes na ordem da criação que não pode ser esquecida. Por isso, a esperança rasga um novo horizonte; e a esperança não decepciona!

Por Dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre e primeiro vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil