Por que sofremos?
A experiência da vida humana é uma alternância de alegrias e sofrimentos. Tristeza e dor nem sempre dependem da vontade humana. Pode-se até pensar no mal como uma anomalia da criação ou um escândalo que remete a tantas interrogações: por que sofrer? O mistério do mal sempre afetou o ser humano ao longo da História. A dor aparece como a privação do bem ou uma ruptura, ou mesmo uma desordem.
O sofrimento existe, seja porque nosso organismo nem sempre funciona como deveria, seja porque no mundo ocorrem as mais diversas desordens que afetam nossa existência: desde acidentes e terremotos, até uma separação, uma doença ou uma morte. O que constatamos é a divisão de nosso ser que pretende a felicidade, mas frequentemente não consegue atingi-la.
Quando contemplamos uma criatura humana que nasce com sérias limitações e anomalias, nos questionamos sobre o sofrimento inocente. Certamente, não podemos dizer que tal dor tenha sua origem em Deus por razões superiores e por nós desconhecidas. A expressão “Deus quis assim”, muito comum nestes casos, remete a uma interpretação dos fatos de quem concebe Deus em termos antropomórficos, segundo a nossa consciência e nosso agir. Atribuir a Deus, que é o Sumo Bem, a origem dos males, é irracional. Assim se conceberia um Deus estranho as suas criaturas, um calculista indiferente ao sofrimento e aos erros que perturbam a ordem de amor que Ele mesmo estabelecera.
A fé não suprime a dor, mas a despoja do seu estilo punitivo. Suportar a dor não significa deixar-se derrotar pelo sofrimento, mas pelo contrário, encontrar uma esperança que estava escondida.
Para quem crê, o sofrer estabelece uma intimidade com Cristo. A partir da experiência de Jesus na carne, o Filho de Deus viveu o sofrimento. Com ele, o sofrer implica tentação e convite. Tentação porque a dor, seja de qual tipo for, ameaça todas as seguranças e certezas da pessoa. Ela é uma ruptura que pode fragmentar toda pessoa. Quando a dor provoca revolta, essa é a reação de alguém impotente que não consegue avaliar os limites da natureza e termina imputando a Deus a impotência humana. Convite, porque ao absurdo da dor se contrapõe a solidariedade de Cristo que modifica o sentido do sofrimento. Neste sentido, quem sofre pode crescer moral e espiritualmente com essa experiência.
É claro que poucos são os que conseguem viver tudo isso numa enfermidade. Isso depende de fé. Só o crente pode abrir caminhos de libertação da escravidão imposta pelo mal. Nesse sentido, não interessa quanto se sofre, mas como se sofre. Ninguém nasceu para sofrer, mas a dor pode ajudar a crescer.
Dom Leomar Antônio Brustolin – Arcebispo Metropolitano de Santa Maria