A chave do céu

 

No tempo da Páscoa, da ressurreição de Jesus Cristo, somos motivados a uma profunda reflexão sobre a vida eterna. É sempre um tempo oportuno para aquele questionamento pessoal necessário: Eu estou percorrendo o caminho que me dará como herança a vida eterna?

Para ajudar na resposta ou para alargar a reflexão trago uma pequena historinha: Conta-se que um monge, vendo a morte chegar, pediu aos seus companheiros que lhe trouxessem a chave do céu: queria morrer agarrado a ela. Um companheiro saiu correndo e lhe trouxe a Bíblia, mas não era isso que o agonizante queria. Outro teve a idéia de trazer a chave do sacrário, também não deu certo. Foi então que alguém que conhecia melhor o doente foi buscar agulha e linha. Agarrado a esses objetos, o irmão passou mais tranqüilo para a vida eterna. Era o alfaiate da comunidade: sua chave para o céu era a atividade diária, carinhosamente realizada para servir aos seus irmãos.

O caminho da santidade pode passar por momentos extraordinários, porém passa, em primeiro lugar, por aquilo que fazemos bem ou mal no dia a dia. Todos nós reconhecemos que, em nossa vida, é muito mais pesado o dever cotidiano do que alguns momentos de esforço, que podem ser difíceis, mas passageiros.

O trabalho cotidiano do monge foi a sua verdadeira chave para entrar no céu. Com certeza ele também devia ter rezado muito, meditado bastante, talvez jejuado nos dias certos, e cultivado algumas dezenas de outras virtudes. No entanto ele sabia muito bem que tudo dependia de como ele havia exercido o seu maior serviço na comunidade.

Em vez de ficarmos preocupados com as grandes coisas é necessário realizar bem as pequenas. Há muitos que falam com tanta convicção o que eles fariam se fossem o presidente da República. No entanto precisariam cuidar melhor das suas famílias e dos seus negócios. Mal conseguem administrar os seus lares; o que fariam se tivessem maior responsabilidade? Lembremos o grande ensinamento do Evangelho “quem é fiel nas pequenas coisas, também é fiel nas grandes; e quem é injusto nas pequenas, também é injusto nas grandes”. (Lc 16,10).

Na vida eclesial não é muito diferente. Há os que querem dar conselhos ao padre, ao bispo e ao papa. Com razão, talvez, mas nem sempre quem distribui sentenças aplica os mesmos critérios para si mesmo. Isso não significa que não podemos mais falar ou criticar. Ao contrário, a correção fraterna é evangélica e salutar entre amigos e irmãos. Quando, porém, a crítica é descarga de mágoas, invejas e frustrações, ela não serve nem para quem a recebe e nem para quem a dispara. Mais uma vez serve o ensinamento do Evangelho “hipócrita, tire primeiro a trave do seu próprio olho, e então você enxergará bem para tirar o cisco do olho do seu irmão”. (Mt 7,5).

Cada um de nós tem muito a melhorar. Com humildade e simplicidade procurar cumprir bem o que se supõe seja o nosso dever, ou, ao menos, o nosso trabalho cotidiano. Assim os pais poderiam caprichar mais na educação dos seus filhos. Os educadores deveriam ensinar mais humanidade e amor à vida própria e a dos outros. Quem julga, deveria julgar com justiça. Quem administra, fazer com mais honestidade e transparência. Quem comunica, buscar a verdade e não o seu próprio interesse. Quem evangeliza, fazer com alegria, entusiasmo e competência. Ou seja, todos precisamos nos agarrar às agulhas e às linhas de nossas vidas. Fazer bem o que está ao nosso alcance, no dia a dia, sempre será a melhor chave para entrar no Céu.

 

Pe. Jair da Silva – Diocese de Bagé