A cruz de Cristo e a nossa cruz

Dom Adelar Baruffi – Bispo de Cruz Alta

As palavras de Jesus que convida os discípulos a segui-lo ressoam de maneira especial nestes dias que nos aproximamos da celebração da sua Paixão, Morte e Ressurreição: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me” (Lc 9,23). A vida cristã é via crucis, iluminada pela luz da Ressurreição. Já compreendeu assim Paulo, quando expressou seu desejo de uma vida totalmente identificada com Cristo e, chegando ao extremo de “tornar-me semelhante a ele em sua morte” (Fl 3,10). A cruz não foi somente um “fim trágico” da vida de Jesus, mas a acompanhou durante toda a sua vida, como ele próprio anunciou aos seus discípulos, por três vezes: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto, e ressuscitar depois de três dias” (Mc 8,31). Pelos evangelhos podemos ver claramente a crescente oposição que Jesus encontrou da parte dos que tramaram sua morte. A cruz do Nazareno revela, ao mesmo tempo, a violência que foi descarregada sobre ele e o amor intenso que nele estava sempre presente.

Na cruz, o pecado do mundo se evidencia, se escancara. Ela é, claramente, a consequência do mal pensado, orquestrado, com interesses.  Cada vez que contemplamos o Crucificado nos é recordada a injustiça humana, que mata o inocente. O pecado que se revelou na morte de Jesus, continua presente e se tornou um poder que governa as estruturas da sociedade humana.  Por isso, a paixão de Cristo revela a paixão do mundo, que continua na história: migrações forçadas, refugiados de guerras, sistema político-econômico que exclui e mata, projetos que desejam tirar os direitos dos menos favorecidos, indiferença diante do sofrimento do outro, crescente ódio ao invés do diálogo, violência familiar, violência no trânsito, projetos para descriminalizar a morte de indefesos no ventre materno, situação caótica das penitenciárias, depredação do meio ambiente, sem contar os pecados e violências pessoais.

Porém, o que torna a morte de Jesus na cruz uma boa notícia é o modo como Ele a viveu. O que Jesus realizou na cruz é o resumo de sua vida. Em primeiro lugar, a resiliência, a persistência de Jesus diante da provação, do sofrimento, permanecendo fiel até o fim. Nossa geração precisa aprender o valor da perseverança e que o sofrimento, quando é consequência de uma opção de vida e de valores, tem sua razão de ser e faz parte da vida. Não esmorecer diante das dificuldades da vida. Em segundo lugar, a morte de Jesus na cruz estabelece um fato marcante para toda a história da humanidade: o ódio e a violência foram superados pelo amor; o círculo vicioso do mal foi vencido pelo bem. É possível amar e fazer o bem mesmo diante do mal. A cruz revela o que Jesus fez durante toda sua vida: perdoar. Conservou até o fim seu amor perdoador. Ao contemplar o Crucificado vemos que, em Jesus, Deus nos perdoa. Sua morte é redentora. Solidariamente, carregou o peso de nosso mal, nosso pecado e, assim, “pelas suas chagas fomos curados” (Is 53,5). Também, o Crucificado soube transformar a morte violenta que lhe foi imposta num ato de entrega. Fez de sua vida uma entrega ao Pai. Entrega-se totalmente ao Pai e a nós, atingindo sua perfeição na cruz. O modo como viveu e morreu mostra-nos que a chave da vida está na entrega de si.

Enfim, é preciso deixar que o amor curador do Crucificado alcance nossa vida e nos transforme em construtores do bem, da vida, como “fonte de água que jorra para a vida eterna” (Jo 4,14). Somos abraçados e envolvidos pelos braços abertos de Cristo na cruz.

 

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