A Cruz é um sim à vida

No dia 14 de setembro, a Igreja celebra a Santa Cruz, da qual pendeu a salvação da humanidade. Esse instrumento de tortura e morte, usado pelos romanos no tempo de Jesus, tornou-se símbolo de vida e ressurreição com a morte de Jesus Crucificado. A Cruz engloba a totalidade da dor humana. Ela é a representação fiel do triunfo do mal, do sofrimento dilacerante, do abandono e da agonia.

A Cruz é o final de um caminho de quem quer ser testemunha de Deus num mundo de contradições. Jesus é condenado como blasfemador (Mc 14,53-65). O caminho para a Cruz é um processo a respeito da verdade de Deus. Com a Cruz está decretado o fim da submissão do homem pelo homem em nome da religião, e até o sacrifício de vítimas perde o sentido religioso com o sacrifício na Cruz do próprio Filho de Deus.

Jesus não foi um condenado apenas por crime religioso. Jesus sofre a condenação política, como atesta o “titulus crucis”: JESUS NAZARENO, REI DOS JUDEUS (Jo 19,19). Percebemos, sempre, esse INRI sobre a cabeça no Crucificado nas imagens que o representam. Jesus dessacralizou totalmente a concepção de poder e se opôs à concepção da divindade como poder. A sua concepção de divindade é como amor, por isso o poder que ele exerce é o serviço.

A morte de Jesus de Nazaré pode ser definida, então, como um assassínio judiciário de significado político-religioso. Na Cruz morre o blasfemador, segundo os religiosos da época, e morre o subversivo, conforme os governos do seu tempo.

A fé cristã, no entanto, reconhece que, na sua morte de Cruz de Jesus de Nazaré está o Deus que morre por amor à humanidade. No sentido teológico, alcançamos a profundidade da morte de Jesus. O Nazareno, livre e conscientemente, foi ao encontro da morte numa entrega total. Essa entrega é um oferecimento de Jesus ao seu Pai por amor aos homens. A agonia na Cruz é a revelação, no tempo da finitude, do eterno, do infinito dom de si de Jesus ao Pai.

A morte de Cruz de Jesus distingue-se da morte de tantos profetas e mártires, pois, na morte deles, está a intenção de que esse gesto fosse o último ato de defesa de sua causa. A dor mais profunda do Crucificado não está nos pregos dos homens que consumavam o império das trevas da rejeição.

A Cruz, jamais está desvinculada da Ressurreição. Na profunda continuidade entre ambas, compreendemos o mistério cristão. A Ressurreição sem a Cruz é vazia, e a Cruz sem a Ressurreição é cega. Através da Cruz, Deus julgou o mundo e o seu veredicto foi pronunciado na Ressurreição do Crucificado. Enquanto os representantes da lei e do poder sentenciam o NÃO a Jesus, manifestando o triunfo da iniquidade, Deus aniquila esse NÃO, sentenciando o seu SIM ao Crucificado, quando o ressuscita.

Jesus Cristo, com sua morte, revela que ela não é um salto no vazio, obscuro e sem esperança, nem mesmo é a ruptura da comunhão no amor, que é sempre vida. À luz do evento pascal, a morte é compreendida inseparavelmente da totalidade da vida da pessoa e da sua ligação com o mistério absoluto. A interrogação sobre a dor e a tragicidade do nada encontram-se com a Palavra da Cruz e sua Boa-Nova: a “dolor contra dolorem” é o amor de Deus, o amor que tira a nossa dor.

Dom Leomar Antônio Brustolin – Arcebispo Metropolitano de Santa Maria