A Fraternidade como Antídoto
Ligo a televisão e vejo uma notícia após a outra: assalto, assassinato, jovem tira a própria vida. Um turno inteiro de jornalismo não apresenta uma única notícia boa, parece não haver um fio de esperança sequer. Várias cenas deprimentes. Frases evasivas, sem promover a mínima reflexão sobre as causas de tanta agressividade, ecoam deixando-nos tão vazios quanto apreensivos. Eis a sociedade da superíície, a humanidade líquida.
Não raras vezes interrogo-me sobre como chegamos até aqui. Sinto-me só em meio à multidão que se desloca num frenesi doentio para chegar … Não sei onde! Com certeza mais da metade da minha vida ficou para trás, pois já ultrapassei a casa dos 50 e insisto teimosamente em continuar acreditando numa humanidade que, por vezes, temo já não mais existir.
Na tentativa de não padecer diante de tantos descalabros, boa parte da humanidade se fecha, procura proteger-se de tudo e de todos. O outro é perigoso. Comporta riscos que não estamos dispostos a enfrentar. As crianças ouvem repetidas vezes o conselho: “não fale com estranhos”. Os jovens nem precisam de tais advertências, pois não conversam nem mesmo com quem é conhecido, muitos nem mesmo com os próprios pais. Novamente, a sociedade da superfície.
Agito-me ao presenciar cenas de grosseria no trânsito. Não tem mais sentido a gentileza, a cordialidade, o que vale agora é ter razão. Todos querem dizer a última palavra e, geralmente, não se trata de expressão que possa ser publicada, sem ruborizar quem conhece a língua materna em profundidade. Como sairemos desse espiral caótico em que nos metemos? Qual futuro podemos prognosticar para esta geração que aí está e para as próximas que virão?
Confundimos durante décadas educação com formação acadêmica. Agora temos por aí muita gente qualificada, com certificados de graduação, especializações, aprimoramento profissional, mas com deficiência gritante no que diz respeito à capacidade de conviver. Preocupamo-nos com a superfície e não preparamos o “eu profundo”. Temos ensinado a ser egoísta, a cuidar de si mesmo, sem considerar que não há projeto de vida individualista, que há mais gente habitando o planeta, a comunidade e a própria casa. Frutos de uma sociedade que apostou na autoestima pra valer, mas não escreveu uma linha sobre a “alter-estima”. Amamo-nos demais, mas não somos capazes de amar o próximo.
Talvez esse fundo de poço em que sentimos ter chegado tenha algo bom a nos oferecer. O antídoto é a fraternidade. Compartilhar experiências de cuidado da vida, planejar mais a vida juntos e dar espaço para o convívio deixando de lado o mundo virtual, comprometer-nos como adultos em olhar nos olhos das crianças e jovens e de outras pessoas quando conversamos com elas, ser sensível a ponto de oferecer ajuda a alguém que parece não estar bem, combater palavras maliciosas com expressões de gentileza e ‘fraternura’ talvez não resolvam tudo, mas podem ser o começo de um novo mundo que precisa surgir urgentemente, antes que este melancólico que ora habitamos seja destruído pela superficialidade, pela nossa superficialidade.
Prof. Dr. Rogério Ferraz de Andrade