A Justiça e a Kiss
Estamos acompanhando o julgamento dos envolvidos no ocorrido na KISS em 27 de janeiro de 2013, quando 242 jovens perderam a vida numa madrugada que não será jamais esquecida e que marcou indelevelmente a cidade de Santa Maria. Nesse contexto, quero repetir o que afirmou a nota ecumênica emitida no dia 25 de novembro passado, pela Igreja Católica Romana, Igreja Episcopal Anglicana, Igrejas de Confissão Luterana no Brasil e a Igreja Evangélica Luterana no Brasil em Santa Maria: É preciso confiar na instituição judicial à qual caberá estabelecer o veredicto, encerrando uma angústia que já se estende por muito tempo. Nos colocamos em oração por todos, especialmente pelos familiares das vítimas, que vivem há anos a experiência do luto e da saudade.
Jesus proclamou: Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça (Mt 5,6). Sabemos, contudo, que neste mundo vivemos um tempo provisório no qual não é possível realizar a plena justiça. Quando ocorre um julgamento, sempre haverá um lado que reclamará um veredicto diferente. A justiça é, em certo modo, maior que as dimensões da vida terrena, que as possibilidades de estabelecer nesta vida relações plenamente justas.
Cristo deixou-nos o mandamento do amor ao próximo, e nele inclui-se também tudo o que se relaciona à justiça. Não pode haver amor sem justiça. A paz é fruto da justiça. Quando se enfraquece a justiça, o amor corre perigo.
A referida nota ecumênica também asseverou que a verdadeira preocupação é que se procure a justiça também numa perspectiva restaurativa, sem nenhum senso de vingança. Essa sentença permite alargar a compreensão de justiça, pois ela tanto é um conceito legal, quanto uma virtude moral. Muitas vezes conhecemos a justiça representada com a imagem de olhos vendados, entretanto, sabemos que a verdadeira justiça exige muita atenção e vigilância para que se garanta o equilíbrio entre os direitos e os deveres dos cidadãos. Essa perspectiva propõe uma justiça que restaura e não destrói; reconcilia, ainda que puna para reparar os danos, mas não se alimenta de vingança. No julgamento, confiamos e esperamos na capacidade humana de escutar, discernir e propor vias capazes de satisfazer o senso de justiça.
É oportuno, também, recordar o que aconselhou o Papa Francisco, dirigindo-se aos juízes: as pessoas encarregadas de administrar a justiça têm grande responsabilidade. Seu trabalho não é fácil, e tem consequências que afetam diretamente a vida das pessoas. Por isso, devem manter sua independência e imparcialidade para assegurar que a justiça tenha sempre a última palavra.
E ainda alertou: Os juízes devem seguir o exemplo de Jesus, que nunca negocia a verdade. Rezemos para que todos aqueles que administram a justiça operem com integridade e para que a injustiça que atravessa o mundo não tenha a última palavra.
Almejamos, ecumenicamente, que fatos dessa natureza nunca mais se repitam, nem aqui em nossa querida cidade e em nenhum outro lugar. Que o Senhor da Vida acompanhe todas as pessoas que estarão envolvidas nos eventos dos próximos dias. E que a justiça de Deus prevaleça e seja impressa em nossos corações imperfeitos!
Dom Leomar Antônio Brustolin – Arcebispo Metropolitano de Santa Maria