A nossa lógica não é a de Deus

Dom Antônio Carlos Rossi Keller – Bispo de Frederico Westphalen 

Ao ouvirmos o Evangelho deste domingo (Mateus 20, 1-16a) somos capazes de pensar que aquele proprietário terá cometido uma tremenda injustiça, por pagar aos operários da última hora igual salário aos que trabalharam o dia todo.

A nossa lógica de pensamento baseia-se em determinados princípios que não são respeitados na parábola que ouvimos. Mas é nesta ótica provocatória e contrária à lógica da conduta do patrão que está o cerne doutrinal desta narração.

Jesus quer denunciar, de uma forma dura, a religião dos “méritos”, ensinada pelos guias espirituais israelitas. O povo, doutrinado pela classe sacerdotal, havia-se esquecido do Deus que é bom, pai, amigo fiel, anunciado pelos profetas, como nos ensina a 1ª Leitura de hoje (Isaías 55,6-9) e substituiu-o por um Deus distante, legislador e juiz implacável.

Os fariseus sentiam-se seguros porque “trabalhavam muito”, observavam escrupulosamente as prescrições da Lei, toda a sua ação de fidelidade era registrada como “mérito” que passaria a constar do registro do céu, para ser exigida a Deus no momento oportuno.

Deus não se cansa de ir ao encontro do homem, mesmo quando este se esquiva a todos os encontros, mas não retribui pelos méritos de cada um. Se aceitamos a obrigação de observar mandamentos e preceitos, que aos nossos olhos parecem não ter explicação, para sermos privilegiados pelo chamamento de Deus, estamos enganados. A única recompensa, na verdade, reside na fidelidade ao Senhor. Todas as hesitações em seguir os seus caminhos são ocasiões perdidas para se encontrar a felicidade, para usufruir primeiro e por mais tempo os dons de Deus.

A reação que atribuímos aos operários da Parábola reproduz a nossa oposição diante da bondade e da generosidade de Deus. Quem ainda trabalha para ganhar um premio, acredita num deus pagão, comerciante, contabilista ou justiceiro, mas não no Deus de Jesus Cristo.

O senhor da parábola está preocupado em que não falte o trabalho a ninguém. Então, como é que nas nossas comunidades ainda pode haver pessoas que se comportam como simples espectadores? Não podem ser apenas alguns a empenhar-se em certos ministérios. O Senhor da vinha está à espera que cada um de nós se interrogue sobre a tarefa que deve desempenhar na comunidade e que deixe de estar ocioso.

Isto exige uma mudança radical no nosso modo de pensar. Não será que muitos de nós, cristãos, nos consideramos “justos” mediante a rotina das nossas práticas religiosas? Não podemos merecer nada diante de Deus, só podemos receber dons e agradecer. Por que não ficarmos felizes se um dia alguém, mesmo que tenha errado por completo na vida, venha a receber de Deus o dom da salvação?

Isto leva-nos a refletir sobre a nossa atitude na comunidade onde estamos inseridos. Nela não devemos exigir mais por termos sido os primeiros a chegar. Não devemos nem podemos sentir-nos os privilegiados por nos termos convertido primeiro a Cristo. Não nos queiramos impor aos demais porque chegamos antes, não permitindo que todos concorram para tomar novas iniciativas que visem o bem comum. Muitas vezes há quem não trabalhe nem deixe trabalhar os outros.

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