A possibilidade de uma teoria estética em Tomás de Aquino
Por Gabriel Guilherme Frigo[1]
É possível pensar a elaboração de um pensamento estético a partir de Tomás de Aquino? Talvez está não seja uma questão de fácil resposta, nem temos a pretensão de responde-la na sua totalidade, na sua completude. Pretendemos, simplesmente, traçar algum esboço sobre o tema, pretendemos apenas expor algumas premissas para uma futura e mais elaborada discussão. Nos contentamos em, aqui, apresentar as linhas gerais do pensamento estético do Aquinate. É evidente que se tratarmos do tema “filosofia da cultura” poderíamos ter aprofundado outros temas no pensamento do Doutor de Aquino, Martinho Grabmann (1946) enumera cinco dimensões da filosofia de Tomás, são elas: dimensão ética, dimensão religiosa, dimensão social, dimensão científica e dimensão estética. Cada uma delas constitui um campo de investigação vasto e profundo no qual pode-se verificar muitos aspectos quer seja da personalidade e da concepção de mundo (weltanschauung) do escritor, quer seja do momento histórico e cultural que ele vivia. Optamos aqui por buscar, mesmo que parcial e brevemente, percorrer alguns traços centrais da estética do Angélico, uma vez que esta dimensão parece, por vezes, ter ficado esquecida dos círculos de estudo deste autor.
O estético, para Santo Tomás de Aquino, está intimamente relacionado com o belo. E o que é o belo? Encontramos uma das primeiras definições, na Summa Theologiae, logo nas primeiras questões. Afirma o Doutor Angélico que “[…] diz-se belo aquilo que agrada o olhar. Eis por que o belo consiste numa justa proporção, pois os sentidos se deleitam em coisas bem proporcionadas” (S. Th. I, q. V, a. IV, ad. I). Desta primeira indicação de belo podemos extrair dois elementos de suma importância. Estes elementos são, como que, constitutivos da experiência estética, a saber, a dimensão objetiva e a dimensão subjetiva. A dimensão objetiva consiste em ser uma propriedade das coisas, um atributo, algo que torna as coisas como são. A dimensão subjetiva está ligada ao prazer estético proporcionado pela coisa que afeta os nossos sentidos, é o encanto que o objeto nos causa, é a admiração que o afetado sente ao ser afetado pelo objeto X ou Y. Estas duas dimensões do belo estão intimamente unidas, de tal maneira que uma prescinde da outra. Não podemos e não devemos pensá-las separadas.
Grabmann, no seu estudo sobre a cultura e a estética em Santo Tomás, divide a experiência estética objetiva em três momentos. O primeiro é o da integridade da coisa, isto é, a coisa produz, naquele que ela afeta, uma impressão de belo, mas, para que essa impressão seja efetivada é necessária a integridade, a perfeição e a plenitude da coisa. “Para ser bela, não deve uma coisa estar mutilada ou incompleta, deve apresentar-se como todo perfeito” (1946, p. 135). O segundo momento é o da harmonia, a coisa deve ser em si mesma e consigo mesma harmônica. “As múltiplas partes devem harmonizar-se umas com as outras e com o todo, devem constituir uma unidade na multiplicidade” (1946, p. 135). O terceiro momento, é o que os Escolásticos, de uma maneia geral, chamavam de “Splendor Forma”, ou seja, o esplendor da forma. É, como que, se a coisa possuísse já em si mesma a beleza. Nas palavras de Grabmann “[…] para ser belo, um ser precisa possuir claridade, certo brilho, que a sua perfeição intrínseca irradia. Nas coisas sensíveis esse brilho manifesta-se nas cores” (1946, p. 135-136).
A experiência estética subjetiva, por sua vez, se dá na relação com a experiência estética objetiva. Primeiro o sujeito é afetado pela dimensão objetiva do objeto, em outras palavras, primeiro ele vê ou ouve o que é belo. Em seguida, abstrai dele, a partir dos três pontos elencados acima, a sua concepção de ser o objeto X belo ou menos belo. A formulação mental de ser o objeto mais belo ou menos belo é consequência da dimensão subjetiva da estética presenta na experimentação e contemplação da realidade. Tomás aborda este ponto tendo presente a dimensão metafísica de belo, o “belum” transcendental, o “belum” que é o Ser, e que os entes tem por participação. Lembremos que os transcendentais do Ser são quatro: “unum, belum, bonum, verum”. Nessa perspectiva, Belo é o Ser, as coisas possuem a beleza por participação no Ser. É por causa do Ser que as coisas tem ser, então é por causa da Beleza do Ser que as coisa tem, cada coisa tem, um certo grau de beleza na medida em que participa com o seu ser do Ser.
Se o bem é aquilo que apetece a todos os seres humanos, na medida em que todos desejam o bem, então o belo será na medida em que agrada o nosso olhar e o nosso ouvir uma espécie de bem. Contudo, para que agrade nosso olhar e nosso ouvir é preciso que passe pelos sentidos da visão e da audição, como aquilo que é bom passa pelos outros sentidos. Para Tomás de Aquino, é pelos sentidos que obtemos conhecimentos das coisas. São os sentidos que nos dão a conhecer o que será julgado pelo entendimento/razão como sendo bom, ou menos bom, belo ou menos belo, tendo em consideração tanto a sua realidade objetiva quanto a sua realidade subjetiva. Afirma Tomás de Aquino:
“De fato, sendo o bem o que todos desejam, é de sua razão acalmar o apetite. Ao passo que é da razão do belo acalmar o apetite com a sua vista ou conhecimento. Por isso referem-se ao belo os sentidos mais cognoscitivos, a saber, a vista e o ouvido, que servem à razão. Assim, dizemos, belas vistas e belos sons. Ao contrário, com respeito aos sensíveis dos outros sentidos não usamos a palavra beleza, pois não dizemos belos sabores, nem belos odores. Fica claro, pois, que o belo acrescenta ao bem uma certa ordem à potência cognoscitiva, de modo que o bem se chama o que agrada de modo absoluto ao apetite, e belo aquilo cuja apreensão agrada” (S. Th. I-II, q. XXVII, a. I, ad. III).
Se o belo faz parte dos transcendentais do Ser, então a ideia de belo é um conceito que não se limita somente as coisas palpáveis, obras de arte, músicas, poesias, pessoas, templos, esculturas, entre outros. O belo está, com certeza, no corporal, isto é, no material. Todavia, está além do corporal, está no espiritual. Grabmann afirma que, para Tomás, há “uma beleza espiritual, uma beleza de Deus, uma beleza da alma humana, que brilha na perfeição e na harmonia da virtude” (1946, p. 137).
Com certeza este breve texto não tem a pretensão de encerrar a discutição sobre a possibilidade de uma teoria estética a partir de Tomás de Aquino. Buscamos, como ele, apresentar apenas uma breve introdução ao tema, ao debate e aos principais conceitos do grande mestre escolástico que fora o Doutor Angélico.
Referências Bibliográficas:
GRABMANN, Martinho. A Filosofia da Cultura de Santo Tomás de Aquino. Tradução de Luís Leal Ferreira. Petrópolis: Editora Vozes LTDA, 1946.
TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Tradução de Alexandre Corrêa. Organização de Rovílio Costa e Luis Alberto De Boni. 2. ed. Porto Alegre: EST, Sulina; Caxias do Sul: EDUCS, 1980.
_______. Suma Teológica. Coordenação Geral da Edição por Carlos Josaphat Pinto de Oliveira, OP. Introdução e notas: Thomas d’Aquin – Somme Théologique, Les Éditions du Cerf, Paris, 1984. 3. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2009.
[1] Graduado em Filosofia pela Universidade em Caxias do Sul (UCS), com monografia sobre o pensamento político na obra de Tomás de Aquino, intitulado “Breves elucidações dos conceitos de Civitas e Lex no pensamento político de Tomás de Aquino. Atualmente é mestrando do PPG-Filosofia da mesma universidade, com bolsa CAPES, desenvolvendo uma pesquisa sobre os conceitos justo e justiça em Tomás de Aquino. Tem particular interesse em temas relacionados a filosofia e teologia medieval. E-mail: gabrielfrigo@live.com