A Virtude da Fortaleza no Caminho Cristão
O Servo sofredor, de que nos fala a 1a Leitura (Isaías 50,5-9), figura enigmática presente no Antigo Testamento, é reconhecido pelos santos Padres da Igreja como uma prefiguração de Cristo em sua Paixão. Essa imagem bíblica traz consigo uma poderosa pregação sobre a virtude da fortaleza, que se destaca como um exemplo vivo de perseverança e resistência diante das adversidades. Como descrito em Isaías 50,6: “Ofereci as costas para me baterem e as faces para me arrancarem a barba: não desviei o rosto de bofetões e cusparadas.”, vemos a profundidade dessa virtude revelada no próprio Cristo.
A fortaleza é uma virtude tanto humana quanto cristã, e faz parte do grupo das quatro virtudes cardeais. Além de ser uma qualidade moral adquirida pelo exercício, é também um dom do Espírito Santo. Este dom especial nos permite participar da força de Jesus Cristo, capacitando-nos a agir com a mesma determinação e coragem que Ele teria em nosso lugar, especialmente em momentos de provação.
Essa virtude opera em duas direções principais: primeiro, ajuda-nos a resistir firmemente às pressões que tentam nos afastar do caminho de Deus; segundo, inspira-nos a empreender tarefas difíceis em seu nome. A nossa vontade, porém, enfraquecida pelo pecado original e pelos pecados pessoais, frequentemente falha. Muitas vezes, recuamos quando deveríamos nos manter firmes, ou deixamos de realizar o bem que Deus nos chama a fazer.
Um exemplo tangível da fortaleza pode ser visto na vida dos mártires ao longo da história da Igreja. Eles, conscientes de que Deus exigia deles um testemunho de fé, não hesitaram em enfrentar a morte. A palavra “mártir” significa precisamente “testemunha”, e, assim, pela fortaleza, eles testemunharam sua fidelidade a Cristo até o fim. Além dos mártires, pais e evangelizadores de todos os tempos também demonstraram fortaleza, enfrentando dificuldades e obstáculos para realizar a vontade de Deus em suas vidas e na sociedade.
A fortaleza, no entanto, não é apenas uma virtude heroica destinada a grandes ocasiões. Ela é necessária para todas as outras virtudes, pois sem constância no bem, não pode haver virtude genuína. Como diz o profeta Isaías: “Mas, o Senhor Deus é meu Auxiliador, por isso não me deixei abater o ânimo, conservei o rosto impassível como pedra, porque sei que não sairei humilhado.” (Isaías 50, 7). Portanto, sem fortaleza, não podemos seguir a Cristo verdadeiramente.
A verdade é que a caminhada cristã, assim como a vida humana, exige fortaleza. Enfrentamos a luta diária contra as nossas inclinações para o mal e a constante tentação de abandonar o bem. Essa batalha interna, que reflete a fraqueza da nossa vontade, só pode ser vencida com a ajuda da fortaleza.
A virtude da fortaleza não implica uma busca constante por dificuldades ou sofrimentos, mas sim a capacidade de perseverar no caminho do bem, mesmo quando o entusiasmo inicial se esvai, quando estamos cansados ou quando sentimos a tentação de desistir. Tal como os atletas treinam seus corpos para ganhar controle sobre eles, nós também devemos exercitar a nossa vontade, renunciando, por vezes, às pequenas coisas lícitas, para que, quando necessário, possamos resistir às tentações maiores.
Reconhecer a nossa fraqueza e pedir a fortaleza de Deus é essencial. “Sim, o Senhor Deus é meu Auxiliador; quem é que me vai condenar?” (Isaías 50, 9). Essa ajuda divina nos leva a abraçar a cruz da vida, não uma cruz idealizada, mas a cruz real que carregamos: as realidades diárias, as dificuldades das relações humanas, as limitações pessoais e o ambiente em que vivemos. O Senhor não nos pede que fujamos dessas cruzes, mas que as aceitemos e as santifiquemos.
O Evangelho deste Domingo (Marcos 8,27-35) nos apresenta duas lógicas distintas: a lógica humana, representada por Pedro, e a lógica divina, ensinada por Jesus. A lógica humana valoriza o poder, o domínio, o sucesso e o reconhecimento social. Acredita que a vida só tem sentido se estivermos entre os vencedores, se tivermos riqueza e prestígio. Em contraste, a lógica de Deus nos chama à entrega, ao amor, à partilha e ao serviço. Somente vivendo segundo os valores do Reino — humildade, simplicidade, solidariedade — encontramos o verdadeiro sentido da vida.
Portanto, a fortaleza não é apenas uma virtude de resistência, mas também de ação, uma força que nos impele a viver conforme o plano de Deus, independentemente das circunstâncias. A verdadeira vitória está em abraçar com coragem e fé a cruz que nos é dada, confiando que, com a ajuda do Senhor, seremos fortalecidos e sustentados em todos os desafios que a vida nos apresentar.
Acolhamos a Palavra de Deus na Liturgia deste Domingo. Ouçamos o que nos recorda São Tiago, na 2a Leitura (Tiago 2,14-18): a fé, se não se traduz em obras, por si só está morta. Só com bons desejos não se adquire a virtude da fortaleza. Só com boas intenções não se exerce a caridade em relação àqueles que sofrem necessidades. Um cristianismo de fé morta, ou seja, sem obras que a comprovem, torna-se um cristianismo apodrecido: não serve para nada.
Dom Antonio Carlos Rossi Keller – Bispo de Frederico Westphalen