Agenda nacional pelo desencarceramento: “Ao invés de vultuosos valores jogados na ampliação do sistema carcerário, que sejam investidos em políticas sociais”, afirmou Naves
Por ocasião do 1° Seminário sobre “Alternativas ao Sistema Prisional Brasileiro”, ocorrido dia 22 de setembro, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, e da Assembleia Estadual da Pastoral Carcerária, Marcelo Naves, membro da Pastoral Carcerária de São Paulo e da equipe de assessoria da Pastoral Carcerária Nacional, concedeu entrevista à assessoria de imprensa do Regional Sul 3 da CNBB. Confira entrevista:
É a segunda vez que participa de encontro da Pastoral Carcerária do Regional Sul 3. Qual a sua impressão da pastoral no Rio Grande do Sul?
A Pastoral Carcerária (PCr) do Rio Grande do Sul é animada pelo padre Edson André Cunha Thomassim, coordenador Estadual, apoiado por uma equipe excelente equipe. A assembleia que aconteceu nos dias 22 a 24 de setembro foi deliberativa, formativa e de planejamento. Percebo que a pastoral está caminhando bem e em diálogo com a sociedade. Um exemplo é o Seminário que ocorreu no dia 22, na Assembleia Legislativa do RS, sobre a Agenda Nacional pelo Desencarceramento. Marcaram presença agentes da PCr das quatro Províncias Eclesiásticas da Igreja do RS, representantes da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Comissão de Direitos Humanos da Assembleia, deputado Valdeci Oliveira, dom Liro Vendelino Meurer (bispo diocese de Santo Ângelo e referencial da PCr) e dom Adilson Busin (bispo auxiliar arquidiocese de Porto Alegre e referencial da PC). O seminário teve como foco a Agenda pelo Desencarceramento e o Encontro Regional foi tratado sobre a incidência da pastoral no RS.
Há avanços na Pastoral Carcerária?
Precisamos ter um olhar muito crítico em relação ao cenário do sistema penal carcerário do Brasil. Em 2017 há motivos para um balanço das últimas duas décadas. Em 2017 completa 25 anos do Massacre de Carandiru (02 de outubro de 1992). Nesses 25 anos podemos lançar uma pergunta: o que esse encarceramento de mulheres e homens trouxe de melhorias e avanços para a sociedade no tema da segurança e da criminalidade? O Brasil vive numa política de encarceramento em massa. Em 1990 eram 90 mil presos no país. Atualmente, ultrapassa o número de 650 mil presos. Nenhum país em desenvolvimento tem tantos presos como no Brasil. Nos últimos anos no Rio Grande do Sul tem crescido a população carcerária. Na média anual em proporção de 7% em relação à média nacional. Da mesma forma tem aumentado o número de mulheres encarceradas. Cerca de 80% de quem está preso, sentenciado ou acusado, estão enquadrados em crimes contra o patrimônio ou entorpecentes. Além disso, acontece a seletividade penal, ou seja, jovens, negros, pobres e com baixa escolaridade. O sistema é seletivo em relação aos tipos penais e a população que é algo dessa repressão. Esta mesma população que é presa tem seus direitos sociais negados. Também dentro dos cárceres todos os tipos de violação de direitos acontecem. Violação ao direito à educação, ao trabalho, à assistência jurídica. Acontecem torturas, maus tratos e superlotação. A Pastoral tem buscado apontar essas realidades em defesa desses direitos.
Diante dessa realidade, qual a postura do Estado?
A violência do Estado também é recorrente. Os grupos de repressão dos Estado que atuam dentro do sistema carcerário, usando a força recorrentemente. Presos provisórios também é a regra. Cerca de 40% da população presa são presos provisórios, ou seja, juridicamente inocentes. O Estado prende pessoas juridicamente inocentes. Além disso, há outras violências que extrapolam, como, por exemplo, à revista vexatória pela qual os familiares das pessoas presas são submetidos.
O que fazer perante este cenário?
Neste cenário precisamos perceber e concluir junto com o Papa Francisco que diz: “As prisões atuais são campos de concentração”. Quando ele esteve nos campos de concentração nazistas entendeu que os cárceres de hoje são os novos campos de concentração. É frente a esta realidade que a PCr atua e lança um questionamento: Para que prendemos?
Há elementos para a Pastoral Carcerária celebrar?
Nesse sentido lembramos os 20 anos da Campanha da Fraternidade (1997), com o tema: “Fraternidade e os encarcerados”. Essa campanha deu origem a Pastoral Carcerária. Por outro lado, os massacres permaneceram. Lembramos que cinco anos antes (1992) ocorreu o Massacre de Carandiru. Iniciamos 2017 com massacres que alguns ganharam mídia, como em Manaus, o presídio privatizado Anísio Jobim. Também em Roraima e Rio Grande do Norte. O massacre dessas vidas ceifadas ganharam a mídia. Mas constantemente presos e presas são mortos, torturados e massacrados. Por isso que a PCr em todo o Brasil defende a Agenda Nacional pelo Desencarceramento, ou seja, a urgente necessidade de diminuir a população carcerária.
Qual a proposta da Agenda Nacional pelo Desencarceramento?
A Agenda traz dez medidas factíveis para serem implantadas em vista da diminuição da população carcerária, da mitigação das violências causas pelo sistema carcerário e, acima de tudo, repensarmos a resolução de conflitos de forma pacífica e comunitária. O Brasil gasta bilhões na construção de presídios para ampliação de vagas. A superlotação do sistema carcerário não é decorrente da ausência de vagas. A superlotação é causada pela superpopulação presa. A título de exemplo, o Estado de São Paulo entre 2010 a 2016 inaugurou 20 unidades prisionais. Destas, em agosto de 2016, 18 já estavam superlotadas. Não adianta construir cadeias. Tem que parar de prender de forma abusiva. Portanto, a primeira proposta da Agenda Nacional pelo Desencarceramento, ao invés de vultuosos e astronômicos valores jogados na ampliação do sistema carcerário, que esses valores sejam investidos em políticas sociais. Ao invés de repressão, políticas sociais. Segundo ponto, é a redução do sistema penal, ou seja, ao invés de criminalizar as relações de conflitos e antes de chegar ao sistema penal, retomar formas pacíficas, comunitárias e não violentas. Como exemplo disso aponto a justiça restaurativa. Outro ponto é a não privatização do sistema carcerário. A vida e a liberdade não podem ser mercadorias. Em nenhum aspecto a privatização traz vantagens e melhorias e avanços na sociabilidade e na paz. Os gastos com o sistema privatizados são altos e a precarização da mão de obra também é absurda. A mercantilização da vida se revela como algo extremamente recorrente, pois as empresas querem aferir lucro. O privatizado não vai diminuir a violência. A CNBB já se manifestou em 2015 contra o projeto de lei que tramita no Senado Federal, que trata sobre a privatização. É necessário lidar de uma forma não criminalizadora de condutas, por exemplo, o uso e o comércio de drogas. A Agenda propõe um tratamento na área da assistência social e da Saúde. Precisamos eliminar a política de guerras as drogas. “Nenhuma guerra é contra coisas, mas sempre contra pessoas”. Toda guerra deixa um rasto de sangue. Esse sangue é de pessoas pobres. O último ponto é a desmilitarização da polícia, da gestão pública e da vida. Na lógica da guerra elegendo um inimigo que deve ser eliminado não condiz com democracia e Direitos Humanos.
A luta militar contra alguns movimentos sociais entra nessa questão da desmilitarização sugerida pela Organização das Nações Unidas (ONU)?
A Agenda defende desmilitarização das relações e dos conflitos desde as questões ligadas à terra, aos sem tetos, conflitos nas escolas. Todos esses conflitos estão ligados essencialmente a ausência de políticas sociais e a dívida histórica social que o Estado brasileiro tem com algumas populações. Isso é assunto social e não é assunto penal. Mas no seu conjunto a Agenda defende formas de políticas e alterações legislativa que diminuam a população carcerária e desmilitarize a vida e as relações.
A Agenda Nacional de Desencarceramento defende a legalização das drogas?
A PCr com mais de quarenta organizações defende a não criminalização do uso e do comércio. Mas em PCr em nenhuma medida faz incentivo ao uso de entorpecentes. O que se discute é a atual política que tem como víeis a criminalização acaba tendo como consequências: mortes, guerras e aprisionamentos. Defendemos que o tema droga não seja discutido no paradigma criminal e penal, mas abordado no paradigma do serviço social e da saúde pública. Veja como são tratadas as cracolandias nas grandes cidades. Os tratamentos militares e criminais só deixam rastos de violência e estigma. Não traz melhorias para a sociedade. A proibição de substância pretensiosamente seria para diminuir o acesso e o consumo, mas não está diminuindo e nem impedindo o consumo. Portanto, tratar as drogas no sentido penal e criminal só aumento o encarceramento e a violência. Propomos uma outra abordagem na linha do serviço social e saúde. Um modelo que seja construído comunitariamente e democraticamente pela sociedade.
A Agenda Nacional pelo Desencarceramento já foi apresentada ao Congresso Nacional?
A PCr tem a proposta da Agenda como uma construção popular e coletiva que envolve as pastorais sociais, organismos da Igreja, Conselho de Igrejas Cristãs (CONIC). A Agenda foi apresentada pela primeira vez em 2013 à presidência da República. De lá para cá, ela foi entregue à presidência do Supremo Tribunal Federal e presidências das casas legislativas federais. Tem sido debatido nos tribunais de justiça e assembleias legislativas. A incidências nesses órgãos tem demostrado que há limites. O poder da república tem sido muito mais sensível ao punitivo e a lógica do encarceramento. Infelizmente, os debates que correm hoje sobre proposta da maioridade penal ou de privatização do sistema carcerário vão contra as propostas da Agenda. A consequência desses projetos será o encarceramento das populações pobres, os socialmente vulneráveis, o aumento da violência policial. No momento a Agenda procura agregar mais organizações e sensibilizar mais a sociedade para conscientizar que o encarceramento e a militarização da sociedade não trazem melhorias. Precisamos causar maior pressão sobre os poderes constituídos.
Entrevista concedida ao jornalista Judinei Vanzeto, Assessoria de imprensa do Regional Sul 3 da CNBB.