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Apenas o filho do carpinteiro

O Evangelho deste domingo (Marcos 6,1-6) foca a atitude de fechamento a Deus e aos seus desafios, assumida pelos habitantes de Nazaré. Comodamente instalados nas suas certezas e preconceitos, eles decidiram que sabiam tudo sobre Deus e que Deus não podia estar no humilde carpinteiro que eles conheciam bem. Esperavam um Deus forte e majestoso, que se havia de impor de forma estrondosa, e assombrar os inimigos com a sua força; e Jesus não se encaixava nesse perfil. Preferiram renunciar a Deus, à imagem que dele tinham construído. Há aqui um convite a não nos fecharmos nos nossos preconceitos e esquemas mentais bem definidos e arrumados, e a purificarmos continuamente, em diálogo com os pastores da Igreja e irmãos que partilham a mesma fé, na escuta da Palavra revelada e na oração, a nossa perspectiva acerca de Deus.

Para os habitantes de Nazaré Jesus era apenas “o carpinteiro” da terra, que nunca tinha estudado com grandes mestres e que tinha uma família conhecida de todos, que não se distinguia em nada das outras famílias que habitavam na vila; por isso, não estavam dispostos a conceder que esse Jesus – perfeitamente conhecido, julgado e catalogado – lhes trouxesse qualquer coisa de novo e de diferente.

Os seus conterrâneos estão admirados, chocados, mas olham-no apenas com os olhos de carne, só veem nele o filho do carpinteiro com quem tinham jogado, trabalhado, escutado a Lei na sinagoga. Não reconhecem nele o enviado de Deus. Falta-lhes o olhar da fé para ler no seu ensino a mensagem de Deus e nos seus milagres os sinais do Todo-Poderoso. E nós como estamos com o nosso olhar de fé, ao vermos Jesus e os seus sinais de salvação?

O texto do Evangelho repete uma ideia que aparece também nas outras duas Leituras deste domingo: Deus manifesta-se aos homens na fraqueza e na fragilidade. Normalmente, Ele não se manifesta na força, no poder, nas qualidades que o mundo acha brilhantes e que os homens admiram e endeusam; mas Ele vem ao nosso encontro, em geral, na fraqueza, na simplicidade, na debilidade, na pobreza, nas situações mais simples e banais, nas pessoas mais humildes e despretensiosas… É preciso que interiorizemos a lógica de Deus, para que não percamos a oportunidade de encontrá-lo, de perceber os seus desafios, de acolher a proposta de vida que Ele nos faz. Na verdade, por trás da atitude dos conterrâneos de Jesus esconde-se a autossuficiência que gera uma falsa segurança: é bom o que sempre se costuma fazer, o que sempre se repete, sem desafios de profundidade e de novidade.

Vivemos de repetições, de deveres e obrigações que devem ser reassumidos a cada dia. Mas o que Deus nos pede é a capacidade de, a cada dia, recomeçar a nossa vida, com um novo ardor, com um novo empenho, com um amor criativo que, mesmo fazendo as mesmas coisas, leve a fazermos sempre com a novidade do amor.

Além disso, é preciso acolher o novo, se este novo for bom e for segundo a vontade de Deus. Há muita gente, muitas Comunidades, até Movimentos que foram de renovação para a Igreja, atolados na mesmice de um cristianismo que se fundamenta naquilo que sempre se fez, no costume, muitas vezes ensinado errado ou compreendido erroneamente. Nestes cristãos de cabeça dura, assim como nos conterrâneos de Jesus, a Graça passa, a Salvação se derrama sobre eles, mas são incapazes de mudar. Ficam com o que é velho, caduco, o que sempre fizeram. E Deus, com os humildes de coração e de alma, segue por outro caminho.

Dom Antônio Carlos Rossi Keller – Bispo Diocese de Frederico Westphalen