BENTO XVI: VIVER COM FÉ
A morte do Papa Bento XVI, ocorrida no último dia do ano 2022, nos impele a destacar seu legado para a vivência da fé num mundo em rápidas mudanças e com desafios inéditos. Nesta reflexão recuperamos um dos pontos mais caros ao Papa Ratzinger: o primado da fé que determina a existência.
Hugo Grotius (1583-1643) foi um jurista e teólogo alemão do século XVI e é reconhecido como um dos fundadores do moderno Direito Internacional dos Povos. Em seu livro Sobre o Direito da Guerra e da Paz, sustenta a Lei Natural que pretende fundamentar o Direito Internacional que permaneceria válido “mesmo que devêssemos supor que nenhum Deus exista”. Grotius compreendia todo direito natural baseado na razão, numa separação bem clara da religião. Sua linha de pensamento orientou muitas instituições ao longo da história, bem como se percebe em muitos setores da sociedade atual que possuem um discurso e uma postura que prescinde da religião.
Por outro lado, o ensinamento do Papa Bento XVI afirma que é muito mais verdade viver “como se Deus existisse,” recordando a frase reformulada de Blaise Pascal (1623-1662). Certamente ao posicionar-se na vida “como se Deus existisse” é cada vez mais desafiador em meio a tantos pluralismos e atitudes que relegam a religião ao plano privado.
Para o Papa, contudo, a grande questão a ser enfrentada é a crise de fé. Justamente por isso ele publicou em 2011, a Carta Apostólica Porta Fidei, onde afirmou: “Sucede não poucas vezes que os cristãos sintam maior preocupação com as consequências sociais, culturais e políticas da fé do que com a própria fé, considerando esta como um pressuposto óbvio da sua vida diária. Ora um tal pressuposto não só deixou de existir, mas frequentemente acaba até negado.”
Segundo o Papa, todo o empenho pela paz, pela Casa Comum pelos pobres e sofredores, assim como o esforço pela justiça e o amor são justos, mas todos eles estão unidos e centrados no primeiro e principal desafio de todos: crer realmente e dar testemunho do Deus vivo. Toda fraternidade tem como pressuposto uma paternidade única: Deus Criador. A ausência dessa paternidade, além da orfandade, gera dificuldade com o senso de amor ao próximo.
Em 2005, na Encíclica Deus Caritas Est, Bento XVI salienta: “Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo”. Para o Papa, a fé depende dessa relação pessoal e comunitária com Jesus. Sem ela, a experiência religiosa perde seu vigor. Viver só se torna possível quando se permite que Deus ocupe a centralidade da existência humana.
No final do primeiro capítulo do livro Introdução ao Cristianismo, o teólogo Joseph Ratzinger afirma: “Creio em Ti, Jesus de Nazaré, em Ti que és o sentido (Logos) do mundo e da minha vida!”. Já no epílogo de sua vida terrena, no entardecer de sua existência, ouviu-se do Papa Bento XVI sua profissão de fé extrema: “SENHOR, EU TE AMO!”
Dom Leomar Antônio Brustolin – Arcebispo Metropolitano de Santa Maria