Buscar o bem e evitar o mal: um imperativo da razão prática em Tomás de Aquino

Gabriel Guilherme Frigo[1]

 

O ser humano é, por natureza, ser finito. Criado no tempo é, ao mesmo tempo, feito para a eternidade – segundo princípios da filosofia de Santo Tomás. A finitude é própria do ser humano. Este não é um ser completo. Mas é um ser que possui desejos e anseios. Deseja e anseia a sua completude, a sua plenitude. Por excelência, busca sempre aquilo que lhe satisfaça, que preencha em si o que lhe falta. Obviamente que muitos desses desejos e dessas faltas não são, de fato, desejos e faltas necessárias, todavia são desejos e faltas criados por alguns fatores externos ou internos dos próprios indivíduos. Assim, por exemplo, o desejo do conhecimento que é, segundo Aristóteles, natural a todo ser racional. O desejo de conhecer é um desejo necessário, enquanto, por outro lado, o desejo de trocar de carro não é necessário, mas acidental, contingente.

Nessa perspectiva, partindo deste exemplo, podemos cogitar que há desejos e anseios que completam ou tornam, em alguma medida, os seres que os desejam mais perfeitos, isto é, mais completos. Enquanto há, em contra partida, desejos e anseios que, propriamente, não colaboram para a realização integral da pessoa humana. Estes ou não contribuem ou desfavorecem uma realização integral da pessoa.

Mas qual é, sendo assim, o melhor fim para o qual toda criatura deveria tender? O que é que os entes desejam? Para o Doutor de Aquino parece ser o bem aquilo ao qual todos os entes almejam. Ao bem do seu próprio ser, à aquilo que lhe dá completude, que lhe aperfeiçoa. Maurice Wulf, eminente estudioso do pensamento medieval, afirma que para o Aquinate, o bem e o fim é, em primeiro lugar, pessoal. Ou seja, há uma tendência do ser humano de buscar a sua completude, o ser humano busca o bem da sua pessoa, por primeiro. Em seguida, buscará o bem daqueles que lhe circundam, da sua comunidade, da sua cidade. “I fini a cui noi tendiamo sono personali – amiamo anzitutto noi stessi – e siccome essi si trovano spesso in conflitto occorre stabilire per mezzo dela ragione una scala di valori” (WULF, 1945, p. 159).

Para que consigamos alcançar o bem pessoal e o bem da comunidade o ser humano se coloca em movimento para, sendo assim, alcançar estes bens almejados. Segundo ele, a lex naturalis funda-se a partir de um princípio da razão prática, a saber, “[…] o bem deve ser feito e procurado, e o mal, evitado” – “[…] bonum est faciendum et prosequendum, et malum vitandum” – (S. Th. I-II, q. XCIV, a. II), uma vez que “[…] Bem é aquilo que todas as coisas desejam” – “[…] Bonum est quod omnia appetunt” – (S. Th. I-II, q. XCIV, a. II) o bem deve ser procurado como sendo o próprio fim da pessoa humana. Este primeiro princípio – ou axioma – da lei natural é a base sobre a qual embasam-se as nossas ações em vista de algo, o nosso movimento. Isto é, segundo o Aquinate, a Lei Natural possui este único imperativo, é um imperativo da razão prática que funciona como um primeiro princípio da ação, de tal maneira que sempre que agimos, agiremos buscando o bem e evitando o mal. Pode ser que, por vezes, o objeto de nosso desejo não corresponde a um bem efetivo, mas a um bem aparente, ou seja, um mal que é desejado como se fosse um bem. Isto ocorre por falha da nossa deliberação, mas não por causa do comando da razão prática. Portanto, como sobredito, sempre que agirmos nós agiremos em busca do bem, tanto do bem próprio e pessoal quanto do bem comum, o bem de toda a comunidade. O desejo pela realização é o desejo pela completude do próprio ser. É, em última instância, o desejo de felicidade, eudaimonia para Aristóteles, beatitude para Agostinho e Tomás de Aquino.

O ser humano sendo imperfeito na sua condição de humano quer tornar-se perfeito e, por causa disso, busca o bem que o realizará. Em ato tudo o que “é” tem certo grau de perfeição, contudo, nunca somos ato puro e, por isso, estamos sempre “sendo”, isto é, somos ato e potência em constante atualização, logo, não somos perfeitos, mas tendemos para a perfeição, buscamos constantemente a perfeição. O ser humano sabe que é imperfeito e que por suas próprias forças não conseguiria alcançar mesmo aqueles bens mais básicos para a sua sobrevivência. Sabe que é um ser dependente, dependente de outrem. Um ser finito. Um ser incompleto. Sendo assim, é necessitário do auxílio e da ajuda daqueles que com ele vivem. A sua busca de perfeição – busca pelo bem – não o tornará perfeito em ato puro, todavia remediará e suprirá certas incapacidades, na medida em que o auxilia na passagem de uma certa potência para um certo ato.

 

Referências Bibliográficas:

 

TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Tradução de Alexandre Corrêa. Organização de Rovílio Costa e Luis Alberto De Boni. 2. ed. Porto Alegre: EST, Sulina; Caxias do Sul: EDUCS, 1980.

_______. Suma Teológica. Coordenação Geral da Edição por Carlos Josaphat Pinto de Oliveira, OP. Introdução e notas: Thomas d’Aquin – Somme Théologique, Les Éditions du Cerf, Paris, 1984. 3. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2009.

WULF, Maurizio de. Storia dela Filosofia Medievale. Nuova versione italiana dalla 6ª edizione francese di Vincenzo Miano (tradutor para o italiano). Volume II. Firenze: Libreria Editrice Fiorentina, 1945.

[1] Graduado em Filosofia pela Universidade em Caxias do Sul (UCS), com monografia sobre o pensamento político na obra de Tomás de Aquino, intitulado “Breves elucidações dos conceitos de Civitas e Lex no pensamento político de Tomás de Aquino. Atualmente é mestrando do PPG-Filosofia da mesma universidade, com bolsa CAPES, desenvolvendo uma pesquisa sobre os conceitos justo e justiça em Tomás de Aquino. Tem particular interesse em temas relacionados a filosofia e teologia medieval. E-mail: gabrielfrigo@live.com