Competir ou cooperar?
A análise da realidade nunca é totalmente imparcial. Somos condicionados por muitos fatores. Herdeiros da tradição cartesiana e do racionalismo, evoluímos muito no domínio do conhecimento para o avanço da ciência, da técnica, da robótica e da informática. Hoje já se prospecta a geração 4.0. Muitas pesquisas têm revelado significativos dados que possibilitam maior qualidade de vida e domínio sobre constantes ameaças que abalam a vida e o planeta. É preciso, contudo, ser crítico sobre o modo de pensar que muitos têm quando abstraem os valores subjetivos, as relações interpessoais e menosprezam as dimensões do transcendente, priorizando somente o que é empírico e verificável por métodos que descartam outras dimensões humanas como a arte, a música, a religião, a sensibilidade e a espiritualidade.
A sociedade contemporânea, em acelerado processo de mudança, está dispersa e desprovida de referenciais. Há um vácuo racional e ontológico fundamental. O individualismo é um princípio que decorre da racionalidade moderna. Ele gera uma moral que individualiza o direito e dá caráter de tensão às relações sociais: “o seu direito termina onde começa o meu”. O limite do direito individual é a presença do outro indivíduo e não a convivência social. Cresce o clima de tensão, concretizado na criminalidade e na violência urbana. A insegurança social parece ser uma característica “natural” da sociedade moderna. Na verdade é a busca desordenada pela sobrevivência diante de uma ética individualizante e competitiva. O ser humano se animaliza: reage com o instinto de defesa diante do ataque violento.
Na tentativa de estabelecer os fundamentos da nova concepção sobre a vida, há de se buscar novos conceitos. A subsistência da vida humana na Terra não se deve à competição, mas sim à cooperação. O ser humano depende dessa atitude comunitária para superar a fragmentação da realidade da forma como é concebida atualmente.
Todos os seres criados são solidários entre si porque se originaram da mesma matéria primordial. Todos são criados por Deus para que cresçam na harmoniosa multiplicidade do universo. A pessoa, nesse contexto, tem uma cidadania universal, cósmica, que se realizará cada vez mais que se mover livremente em direção ao próprio projeto do Criador para todo o cosmos. O humano é o único ser para o qual a vida é uma tarefa, porque ela não se reduz ao dado somático-psíquico. Ele tem uma existência inacabada, não só do ponto de vista biológico, mas também espiritual e, principalmente, enquanto unidade pessoal.
Dom Leomar Brustolin – Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Porto Alegre