Considerações a partir da pandemia e de outras carências

Na mensagem anterior, tentei refletir sobre a experiência da vacância episcopal e de outras carências. Concluí dizendo que outras carências, como as impostas pela pandemia do Coronavírus, também ofereceriam diversas considerações, que o espaço do texto não permitia relacionar. Proponho-me elencar algumas neste.

Começo por lembrar o que diz a sabedoria popular: a dor ensina a gemer. Podemos acrescentar: e a considerar o que a dor provoca no outro. Abre os olhos e o coração para o mundo do sofrimento humano, enigma ou até absurdo para a razão humana sem a luz da fé. Conjugadas, razão e fé, que não se opõem, mas se complementam, nos ajudam não tanto a decifrar o sofrimento, porém a descobrir o que fazer com ele. Mais, como crescer nele e torná-lo redentor quando vivido em união com Cristo. A propósito, lembro testemunho de um cardeal inglês que morreu de câncer: olhar para Cristo crucificado não tira a dor, mas dá a força necessária para superá-la.

Foi a partir de desafios existenciais que o ser humano chegou às grandes invenções. É na provação que se forjam pessoas fortes e destemidas. Como diz também a sabedoria popular, mar tranquilo não dá bom marinheiro. Ou, água revolta faz bom nadador.

Diante deste vírus invisível, uma primeira consideração é que ele alterou a rotina do mundo. Como disse alguém, um vírus não visível a olho nu e também com microscópio comum, neste tempo de tantos progressos científicos, da comunicação midiática instantânea, dos dispositivos que permitem realizar diversas tarefas à distância pegou a humanidade de surpresa e ela não consegue recurso imediato e eficaz para eliminá-lo. Ele derruba toda essa pretensa potência pós-moderna, desafia os avanços da ciência, os recursos tecnológicos, os sistemas de saúde; humilha todos os que cultivam a presunção de autossuficiência e prostra os que se julgam onipotentes por seu poder na esfera política e econômica.

À luz da fé, esta situação é oportunidade para conhecermos de modo claro quem somos, a fragilidade de tudo o que nos rodeia, bem como reconhecer uma vez mais que o poderio militar, com armamentos atômicos e a tecnologia não são suficientes para nos salvar.

Esta e outras carências nos desafiam a identificar e a cultivar o que é essencial em nossa vida, a retomarmos valores e princípios fundamentais, a valorizar a família, a cultivar a solidariedade, a viver a fé verdadeira. Fazem perceber também quantos gestos simples ou mais expressivos de doação e generosidade, todos de altíssimo significado. Elencá-los também exigiria mais espaço. Dizer que existem e são muitos faz relevar o uso do poder econômico de certos países que interceptam os dispositivos de saúde que outros adquiriram e a pequenez de certas lideranças que não revelam lucidez e serenidade e não inspiram confiança.

Aqui no Brasil, a pandemia pode dar-nos conta do preço da desigualdade social, que, por existir há tanto tempo, acabou aceita como praticamente natural. Pode também fazer perceber quanto a saúde é prioritária para termos uma sociedade justa e fraterna; quanto o Sistema Único de Saúde é importante. Um renomado médico chama atenção para uma ironia: construímos vários estádios, elefantes brancos, e recordo que deviam ser “padrão Fifa”, mantidos agora com dificuldade e nesta emergência acabam sendo transformados em hospitais.

Esta situação desencadeia, certamente, muitas reflexões. Assumidas sob a luz fulgurante da Ressurreição de Cristo, renovam nossa esperança e nos proporcionarão grande crescimento pessoal, familiar e social.

Pe. Antonio Valentini Neto – Administrador Diocesano de Erexim