Das cinzas ao fogo – um itinerário quaresmal!
A quaresma é um palco de lutas e encontros, de vivência e de convivência. É mais do que um tempo cronológico, senão um embate com a realidade mais concreta do que somos. A igreja, mãe e guia, indica três atitudes. No Brasil, todo ano a Campanha da Fraternidade apresenta uma temática que faz lembrar que a fé precisa ser vivida na dinâmica da encarnação, do olhar e da imersão na história. Proponho uma breve reflexão sobre esses quatro pontos:
- A oração. A quaresma pede que aprofundemos a vida orante. Rezar é um exercício. Se fisicamente precisamos exercitar, espiritualmente também é assim. Rezar é mergulhar na vida de Deus. É um mergulho que nos preenche. Ao mesmo tempo, rezar é olhar a história com os olhos de Deus e o mais difícil: olhar-se a si mesmo com os olhos de Deus. Nossa provisoriedade e instabilidade são abraçadas pelo Pai que, ao mesmo tempo, oferece amor, perdão e possibilidade de mudança. Mergulhemos na oração!
- O jejum. A capacidade de jejuar é proporcional a educação para a liberdade. O jejum não pode ser considerado uma norma, senão uma pedagogia. Há um mundo gourmet que nos rodeia. De um lado, o exagero da comida, de outro, a falta dela. Entre a precariedade e o esbanjamento há a possibilidade da consciência. Jejuar, no fundo, é dizer que somos mais fortes que a vontade de comer tudo e o tempo todo. O jejum amplia nosso olhar, nossa criatividade e nosso discernimento. E é preciso aprender a jejuar de tantas coisas além da comida e da bebida. Mergulhemos nesta escola da liberdade!
- A caridade. De alguma maneira, a caridade é a consciência gerada pela oração e pelo jejum. O profeta Isaías escreveu(58,6-7): “O jejum que Eu quero não será antes este: quebrar as cadeias injustas, desatar os laços de servidão? Não será repartir o teu pão com o faminto, dar pousada aos pobres sem abrigo, levar roupa aos que não têm com que se vestir e não voltar às costas ao teu semelhante?” A caridade é repartir, é alcançar a misericórdia, é sentir a dor do outro, colocar-se no seu sofrimento, tocar as feridas. A caridade é um mergulho que supera nossa ganância!
- O diálogo. A Campanha da Fraternidade Ecumênica deste ano propõe o tema do diálogo. O diálogo tem muitas facetas. O ecumenismo lembra nosso compromisso de dialogar com os irmãos de outras confissões religiosas. Ninguém perderá sua fé por dialogar, mas ao contrário, aprofundará e descobrirá caminhos novos de vivência e de respeito: “Cristo é nossa paz – do que era dividido fez uma unidade” (Ef 2,14a). O diálogo nos torna abertos e é a possibilidade de engrandecer o coração em torno da amorosidade. Que oportunidade importante de estabelecer relações novas que rompem muros de divisão. Com a Campanha da Fraternidade ecumênica, mergulhemos na vida e na história, como o Senhor também fez!
Há momentos que é preciso baixar a cabeça. Não é resignação e nem vergonha, mas impulso. Ao receber as cinzas sobre nossas cabeças, na quarta-feira, abrimos o coração à pedagogia de Deus que nos aponta a direção do ‘fogo novo’, a vitória, a esperança que não morre jamais. Das cinzas ao fogo, temos um caminho formativo-espiritual que conduz ao centro da fé, mas que precisa passar pelo deserto, pelas tentações, pela transfiguração, pelo poço, pela consciência das nossas cegueiras, para, assim, tatear o Senhor Ressuscitado que, antes de tudo, mergulha em nós!
Pe. Maicon A. Malacarne – Diocese de Erexim