De quem eu me faço próximo?
Em Lc 10,25-37, com a parábola do bom samaritano, Jesus questiona nossa postura de pessoas de fé e ao mesmo tempo nos apresenta o caminho. Para Jesus, a forma como lidamos com o nosso próximo indica se nossa relação com Deus é verdadeira ou não. Por isso, ele nos convida a nos imaginar dentro da parábola do bom samaritano. Com qual personagem nos identificamos? Somos os assaltantes? Nos vemos no homem roubado, espancado e quase morto? Nos parecemos com o sacerdote ou com o levita? Ou por acaso nos vemos no bom samaritano?
Ao longo do caminho, embora nem sempre nos demos conta disso, cruzamos com pessoas que caíram nas mãos de assaltantes: são os doentes, os mal assalariados, os desempregados, os dependentes químicos etc. O sacerdote e o levita viram o homem caído e seguiram adiante, pelo outro lado. O mesmo acontece muitas vezes conosco, “seguimos adiante”. Como já temos tudo esquematizado, temos uma porção de coisas a resolver. Não podemos perder tempo com as pessoas, nem mesmo com pessoas da nossa família. Não temos tempo de visitá-las, de ouvi-las, muito menos de cuidar delas.
O Papa Francisco em um dos seus ensinamentos nos conduziu a um sério exame de consciência: “Quem é o responsável pelo sangue destes irmãos e irmãs? Ninguém! Todos nós respondemos assim: não sou eu, não tenho nada a ver com isso; serão outros, eu não certamente. Mas Deus pergunta a cada um de nós: ‘Onde está o sangue do teu irmão que clama até mim?’ Hoje ninguém no mundo se sente responsável por isso; perdemos o sentido da responsabilidade fraterna; caímos na atitude hipócrita do sacerdote e do levita de que falava Jesus na parábola do Bom Samaritano: ao vermos o irmão quase morto na beira da estrada, talvez pensemos ‘coitado’ e prosseguimos o nosso caminho, não é dever nosso; e isto basta para nos tranquilizarmos, para sentirmos a consciência em ordem. A cultura do bem-estar, que nos leva a pensar em nós mesmos, torna-nos insensíveis aos gritos dos outros, faz-nos viver como se fôssemos bolhas de sabão: estas são bonitas mas não são nada, são pura ilusão do fútil, do provisório. Esta cultura do bem-estar leva à indiferença a respeito dos outros; antes, leva à globalização da indiferença. Neste mundo da globalização, caímos na globalização da indiferença. Habituamo-nos ao sofrimento do outro, não nos diz respeito, não nos interessa, não é responsabilidade nossa!”
Porque nós estamos sempre ocupados conosco mesmos, costumamos ou não enxergar o outro, ou enxergá-lo como um estorvo do qual precisamos nos desviar. Para cuidar daquele homem ferido, o bom samaritano precisou perder tempo, esquecer-se de si e dos seus afazeres. O próximo é assim: alguém que me recorda que o mundo não gira em torno de mim, dos meus problemas, projetos e necessidades. O próximo é alguém que me lembra o que Deus disse pelo profeta Isaías: “repartir a comida com quem passa fome, hospedar em sua casa os pobres sem abrigo, vestir aquele que se encontra nu, e não se fechar à sua própria gente. Se você fizer isso, a sua luz brilhará como a aurora, suas feridas vão sarar rapidamente, a justiça que você pratica irá à sua frente e a glória de Javé virá acompanhando você.” (Is 58,7-8). O próximo, seja ele quem for, é exatamente isso: a minha carne, alguém humano como eu, necessitado como eu, digno de respeito como eu.
Pe. Jair da Silva – Diocese de Bagé