Decidir-se
Rotineiramente cita-se frases isoladas, preferencialmente de pessoas renomadas, para argumentar, ilustrar ou confirmar um pensamento pessoal. Outras vezes, cita-se frases para criticar ou até para desmoralizar seu autor. Qualquer uma das formas que a frase é usada pode ser deturpada, pois é citada fora do contexto em que foi escrita ou dita. A frase pode ficar mais forte ou mais fraca. As palavras de Cristo da liturgia dominical (Lucas 12,49-53) são provocativas e, se forem interpretadas isoladamente, desfiguram o seu sentido. Disse Jesus: “Fogo eu vim lançar sobre a terra, e como desejaria que já estivesse aceso! (…) Pensais que eu vim trazer paz à terra? Não, eu vos digo, mas a divisão”. Esta fala acontece enquanto Jesus caminha para Jerusalém, onde o espera a morte de cruz. Quem conhece um pouco do Evangelho de Cristo sabe que os ensinamentos sempre conduziram à paz. São Paulo vai afirmar que Cristo “é a nossa paz” (Efésios 2,14).
O texto continua e conclui os ensinamentos contidos no capítulo 12 de Lucas onde Jesus provoca os discípulos e a multidão a decidir-se por Ele. O capítulo inicia dizendo que “milhares de pessoas” se ajuntaram em torno dele e Jesus lhes faz alertas: “cuidado com o fermento dos fariseus, que é a hipocrisia”, “nada há de oculto que não venha a ser revelado”, “não tenhais medo dos que matam o corpo (…) temei aqueles que, depois de fazer morrer, tem o poder de lançar-vos à Geena”. Estes e outros alertas desencadeiam vários ensinamentos sobre vigilância, prontidão, escolha sobre o essencial na vida. Em outras palavras, a vida do cristão é uma vida de decisões fundamentais e toda decisão requer escolhas. Cada escolha, depois de justo discernimento, elimina outras alternativas e pode provocar reações.
Jesus jamais escondeu as duras exigências requeridas aos discípulos. Nunca propôs um cristianismo fácil ou “água com açúcar”. A franqueza com os discípulos e a multidão pretende formar seguidores conscientes e não fãs seduzidos pela ilusão. Torna-os conscientes dos possíveis conflitos oriundos da sociedade e também do ambiente familiar. Não se trata de formar seguidores polêmicos e provocadores de divisões. Nem fanáticos que não sabem dar os fundamentos da fé.
“Fogo eu vim lançar sobre a terra, e como desejaria que já estivesse aceso! Tenho um batismo no qual devo ser batizado, e como me angustio até que se complete!” Jesus Cristo fala em primeira pessoa apresentando-se como modelo. Ele é um apaixonado pela missão e convicto de que seus ensinamentos são verdadeiros e promotores de vida. O fogo que arde em seu coração o levará até a cruz, momento que lhe deixa angustiado. Deseja ardentemente que os cristãos vivam a fé da forma apaixonada como Ele vive.
A linguagem forte de Jesus é para sacudir os seguidores a tomarem posição: “ou com ele ou contra ele”. Não admite incertezas, abstenção ou posicionamentos neutros. A decisão provoca individualmente a cada crente chamando-o a demonstrar por quem optou. É ilusório, além de não ser de acordo com o Evangelho, pensar que se pode viver tendo “os pés em duas canoas”. Também os afetos mais caros, os afetos familiares devem ser avaliados, pois podem constituir um impedimento ao seguimento. A decisão radical deve vir em tempo breve e com sadio discernimento.
Os cristãos podem querer permanecer aprisionados na mediocridade que bloqueia e paralisa. É vontade de Jesus acender o fogo do amor imprimindo a novidade de seu ensinamento, ajudando os seguidores a não viverem de forma hipócrita, isto é, só de aparência e nem serem artistas representando um personagem cristão.
Dom Rodolfo Luís Weber – Arcebispo de Passo Fundo