Deus que vem
Dom Jaime Spengler – Arcebispo Metropolitano de Porto Alegre e presidente do Regional Sul 3 da CNBB
O Natal é a celebração de Deus que vem ao encontro do ser humano. No rosto de um menino envolto em faixas contemplamos o Deus-Amor. Ele assume a natureza humana de forma singela e despojada, simples e pobre. O nascimento da Criança Divina é motivo de alegria: fomos visitados!
Francisco de Assis, no século 13, quis representar de forma plástica o que se passou na pequena Belém, na Judeia. Para isso, pediu a um amigo que preparasse todo o necessário para que as pessoas pudessem contemplar a cena do Natal. Tomás de Celano, um dos primeiros biógrafos de Francisco de Assis, assim descreve a fase preparativa da representação do Natal:
“Sua maior intenção, seu desejo principal e plano supremo era observar o Evangelho em tudo e por tudo, imitando com perfeição, atenção, esforço, dedicação e fervor os ‘passos de Nosso Senhor Jesus Cristo no seguimento de sua doutrina’. Estava sempre meditando em suas palavras e recordava seus atos com muita inteligência. Gostava tanto de lembrar a humildade de sua encarnação e o amor de sua paixão, que nem queria pensar em outras coisas.
Precisamos recordar com todo respeito e admiração o que fez no dia de Natal, no povoado de Greccio, três anos antes de sua gloriosa morte. Havia nesse lugar um homem chamado João, de boa fama e vida ainda melhor, a quem São Francisco tinha especial amizade porque, sendo muito nobre e honrado em sua terra, desprezava a nobreza humana para seguir a nobreza de espírito. Uns quinze dias antes do Natal, São Francisco mandou chamá-lo, como costumava, e disse: ‘Se você quiser que nós celebremos o Natal de Greccio, é bom começar a preparar diligentemente e desde já o que eu vou dizer. Quero lembrar o menino que nasceu em Belém, os apertos que passou, como foi posto num presépio, e ver com os próprios olhos como ficou em cima da palha, entre o boi e o burro’. Ouvindo isso, o homem bom e fiel correu imediatamente e preparou o que o santo tinha dito, no lugar indicado.
Aproximou-se o dia da alegria e chegou o tempo da exultação. De muitos lugares foram chamados os irmãos: homens e mulheres do lugar, de acordo com suas posses, prepararam cheios de alegria tochas e archotes para iluminar a noite que tinha iluminado todos os dias e anos com sua brilhante estrela. Por fim, chegou o santo e, vendo tudo preparado, ficou satisfeito. Fizeram um presépio, trouxeram palha, um boi e um burro. Greccio tornou-se uma nova Belém” (1Cel, XXX, 84-85).
Não se trata de aqui discutir se os elementos descritos pelo biógrafo expressam um fato histórico ou se são legendários. Certo é que a descrição de Tomás de Celano inaugurou a tradição do presépio. Nas peças que compõem o presépio mostra-se o encontro da realidade divina e humana, animal e vegetal, sideral e mineral. Nada é descartado, tudo é integrado!
As semanas que antecedem o Natal nos convidam a resgatar o sentido originário do Natal. Contemplando as representações plásticas do evento – algo comum em tantos lugares e espaços neste tempo do Advento – e relendo as narrativas bíblicas, somos provocados a fomentar em nossos ambientes familiares e comunitários o saudável e alegre espírito natalino. É esse espírito que alimenta nossa esperança de que um novo mundo é possível. Mundo esse marcado pela superação de toda forma de exclusão, onde a verdade e o amor se encontrarão, e a justiça e a paz se abraçarão.