Dominar a Terra significa cuidá-la
Para preservar o planeta e frear a destruição do ecossistema, é preciso enfrentar conceitos e paradigmas que possam sustentar qualquer projeto que deprede o ambiente. Até mesmo questões religiosas precisam ser melhor analisadas. Uma crítica frequente acusa o cristianismo de ser responsável pela destruição ecológica, ou pelo menos o aponta como um sistema religioso justificador da dominação humana sobre o cosmos.
Uma primeira questão a ser enfrentada refere-se à expressão “dominai”, do texto do Gênesis, o primeiro livro da Bíblia. Muitos entendem que o vocábulo “dominai” estimulou uma exploração ilimitada dos recursos naturais. Embora a expressão só adquiriu a conotação de exploração com o progresso técnico e científico da modernidade, é preciso analisar o texto e o contexto do versículo para identificar as distorções sofridas em sua interpretação. Por exemplo, no tempo de São Francisco, na Idade Média, não se conhecia essa interpretação exploratória da expressão de domínio no Genesis.
O versículo que nos interessa situa-se em Gn 1,1 – 2,4ª, mais precisamente na parte relativa ao sexto dia da criação. Diferentemente das fontes que o inspiraram, o escritor bíblico testemunha outra compreensão do “humano”. Enquanto antigas tradições religiosas apresentam o rei como imagem da divindade, investido da autoridade divina, o relato bíblico atribui ao ser humano em geral essa imagem. Na Mesopotâmia, o homem era visto como escravo da divindade, mas no relato bíblico ele dominará sobre todas as criaturas. O “subjugai a Terra” (v. 28), é para colocar a Terra selvagem a serviço dos homens.
No comando de subjugar a Terra e dominar os animais (Gn 1,28), não se pode deixar de ver que a terra é um dom de Deus a Israel, desde a criação do mundo. No hebraico o verbo “subjugar” não tem o sentido ocidental moderno de dominar, mas significa “trabalhar” (= saber cuidar, com sabor e compaixão), transformando as trevas em luz, o caos em cosmos.
“Dominar” significa continuar lutando permanentemente contra desertos e trevas. O comando de dominar os animais segue a ordem de “subjugar” a Terra. Este segundo verbo pertence ao contexto de subordinação ou domínio. A criação humana tem um objetivo, uma finalidade. Tanto os animais como os homens são abençoados, em vista da fertilidade, mas uma ordem hierárquica é estabelecida entre os seres vivos: humanos e animais são colocados em relação, mas os humanos são encarregados de dominar sobre os animais.
O domínio sobre a criação, no entanto, não pode ser realizado de qualquer jeito, de modo a desprezar ou destruir a vida vegetal ou animal. Como enviado de Deus, o ser humano permanece como a criatura que deve proteger a criação. A atitude de respeito com relação aos animais é reforçada em Gn 1,29-30, onde o alimento vegetal é dado ao ser humano e aos animais.
O relato da criação, portanto, não expressa noções de domínio e exploração do mundo criado. O ser humano é tido como um cuidador e continuador da obra criada por Deus. Se dominar significa continuar atuando na criação entre luzes e trevas, então a criação não pode ser vista de forma estática. Ela é essencialmente movimento e abertura.
Dom Leomar Antônio Brustolin – Arcebispo Metropolitano de Santa Maria e Presidente do Regional Sul 3