Educação ou Ensino?

Professores e responsáveis por estudantes, há algum tempo, debatem-se entre o falso paradoxo criado em torno dos termos Educação e Ensino. De ambos os lados encontram-se variadas razões com a intenção de separar o que seria tarefa do professor e o que caberia à família. A dicotomia não se sustenta, a menos que desejemos conscientemente incitar as crianças, adolescentes e jovens à esquizofrenia que separa a vida ética do conhecimento adquirido.

O desenvolvimento da personalidade sadia deve-se à prática de hábitos socialmente aceitáveis  aprendidos nas interações humanas. A maneira como o professor aborda o estudante, sua forma de selecionar conteúdos, seu jeito de avaliar e de resolver os conflitos em sala de aula não envolvem apenas o cognitivo, revelam sobretudo seu posicionamento ideológico e sua forma de ler o mundo. Na sala de aula, cognição e afeto complementam-se. O professor trabalha com pessoas, e pessoas educam-se a cada encontro. É impossível estabelecer o limite entre educação e ensino. Onde começa o ensino e onde termina a educação?

Distinguimo-nos dos outros seres  pela racionalidade, pela linguagem, pela relacionalidade, pelo viver ético, pela cultura e ainda por outras dimensões especificamente humanas. De fato, as descobertas e as invenções possibilitaram-nos conquistar uma vida com maior qualidade, demonstrando-nos capazes de ir para muito além do instinto. Tornamo-nos humanos à medida em que nos desafiamos a melhorar o ambiente em que vivemos, acumulamos saberes que nos permitem curar doenças, evitar catástrofes ambientais e projetar edifícios majestosos. Nenhuma pessoa em condições mentais saudáveis ousaria dizer que o conhecimento seja insignificante.

Por outro lado, não se constitui em bem de menor valor a preocupação que herdamos dos gregos em estabelecer um modus vivendi ético. Habitamos um mesmo espaço, temos sonhos a construir (individuais e coletivos), temos também arestas a aparar, a fim de que os mais fortes não dominem explorando os mais fracos. O homem é bom e mau ao mesmo tempo. Trazemos em nós os traços da generosidade, mas também a insistente febre da ganância que ousa a cada pouco tomar de chofre nossa mente e nosso coração, empurrando-nos em busca do vil metal, ainda que o preço por isso seja o sangue de uma ou mais pessoas.

Se o ensino prepara a mente para conhecer, a educação prepara o coração para  forjar o homem em sua plenitude. Imaginar que aos educadores cabe apenas a transmissão de conhecimento e aos responsáveis pelos estudantes a educação da personalidade quando menos podemos dizer trata-se de um autoengano para não nos perdermos na falta de misericórdia e elencarmos essa forma de pensar no rol das tantas formas de estupidez e ignorâncias que geramos desde o final do século XX.

Retirar da escola a tarefa de ajudar a formar a pessoa em seus valores é pedir que a escola prepare autômatos, “Franksteins”, seres sem sensibilidade, sem consciência crítica e sem atitude. Nada mais é do que pedir aos professores que atinjam apenas a superfície, deixando o profundo da existência intocável. Isso, obviamente, não significa que os pais e responsáveis deixem de lado suas primordial tarefa de orientar os filhos. Não é apenas um direito, mas um dever dos adultos para com toda a civilização proporcionar ambiente saudável e harmonioso de crescimento, aprendizagem e afeto para as crianças e jovens.

Não há oposição –senão aquelas de terminologia- entre educação e ensino. O professor educa enquanto ensina e os pais ensinam enquanto educam. Querer separá-los é coisa de equivocados. Nem sempre é o professor que ensina e nem sempre são os pais que educam. Caso desejemos, de fato, uma sociedade mais transparente, uma pessoa mais centrada e um mundo com menos muros, urge que sejamos os primeiros a derrubar barreiras como essa insistente mania de atribuir uns aos outros os desastres e a nós mesmos os sucessos. Gusdorf escreveu em Professores para quê?:“ A obra fundamental do homem é ele mesmo, e as realizações exteriores são apenas confirmações dessa obra-prima fundamental que para o homem digno desse nome é a edificação de si mesmo.” Tenho para mim que, enquanto não abrirmos mão desses castelos nos quais nos entrincheiramos em autodefesa de nossas pequenas vaidades e vontades não estaremos maduros suficientemente para legar aos mais jovens um futuro de possibilidades que contemplem a tolerância, o respeito, a colaboração e o cuidado dos mais frágeis e do mundo como um todo. Educação é ensino e ensino não existe sem educação.

Prof. Dr. Rogério Ferraz de Andrade