Educar o espírito

A silhueta espiritual do homem está definhando.” (Rafael Argullol)

A vida de fora reflete o que há no interior do homem. O de dentro e o de fora integram-se, a fim de que a pessoa seja uma totalidade. Exteriorizamos o que cultivamos o dia inteiro em nosso coração. Pelo que vemos, está mais do que na hora de educar o espírito, a fim de que as nossas práticas possam ser um pouco mais polidas, respeitosas e acolhedoras.

Quem estuda linguística depara-se com a perspectiva pragmática, que analisa o texto para além dele mesmo. É importante transcender o que é dito, sem esquecer que a forma como dizemos explicita muito de nós também. Lakoff (1973) propôs 3 regras de polidez: não impor, dar opções para que o outro tome posição e, finalmente, ser amigável, buscando aproximar-se dos interlocutores.

Ocorre que a polidez exterior, a serenidade e a doçura são competências aprendidas. Às vezes por teoria, mas quase sempre pelo exemplo. Sem que percebamos somos espelhos nos quais os outros aprendem e retribuem, conforme nossa forma constante de ser. Se a neurologia descobriu os chamados “neurônios espelho”, que fazem-nos bocejar quando alguém próximo a nós o faz, muito mais significativo seria darmo-nos conta do quanto as pessoas costumam espelhar os comportamentos.

À educação cabe também a irrenunciável tarefa de educar o espírito. Trata-se de um movimento permanente de abertura e de disposição para amadurecer nas relações. São Tiago afirmou que é mais fácil governar um navio em meio à tempestade do que segurar a língua, nessa ânsia eterna que temos de dizer o que nos vem à boca, sem pensar. Na era da opinião, costumamos confundir sinceridade com crueldade. Quem está diante de nós não importa, desde que possamos lançar os raios da ira, independentemente do que acontecerá depois.

Não são apenas os terapeutas ou os linguistas que podem ajudar-nos na aprendizagem de medir as palavras ou em buscar as causas pelas quais costumamos dizer quase sempre o que queremos, de um modo não polido e destruidor. Talvez tenhamos semeado muito nos corações dos jovens e crianças a ideia de que para ser alguém na vida é preciso estudar. Lamento profundamente tal visão, pois ela reafirma a ideia de que há pessoas que nunca chegarão a ser alguém, pois a elas não alcançam os direitos que lhes garantiriam uma boa formação.

Ontem mesmo, ao conversar com uma estudante deparei-me querendo dizer-lhe que devia estudar para ser alguém. Mordi a língua e remendei: “O que queres ser a mais, a partir do teu estudo? Que tipo de pessoa queres ser? Que cidadão tu pretendes ser, com uma carga tão grande de saberes? Sim, é preciso educar o espírito, começando pelo nosso, pois ainda estamos muito longe de vencer o estigma de uma educação meramente intelectiva, que deixa de lado a sensibilidade, o coração e a capacidade de ir além dos discursos que consolidam um viver centrado em si mesmo, egoísta e raso.

A UNESCO tem batido constantemente na tecla de que neste século o problema não deverá ser apenas garantir a educação para todos. Será necessário, igualmente, lutar por uma educação de qualidade, para além dos manuais que idealizam uma vida que não existe ou dos currículos centrados na autopromoção, sem qualquer compromisso com os que convivem conosco. Um bom começo seria retornarmos à teoria da polidez para avaliar como temos dito o que queremos dizer, como temos tratado os que convivem conosco, verificando se isso nos tem feito bem ou se precisamos, urgentemente, mudar o rumo. Lembrando sempre que não será a BNCC a resolver nossos problemas de motivação para a aprendizagem, bullying, preconceitos e outras tantas pragas com as quais convivemos. O que vai mudar radicalmente a realidade presente será despertar alunos, pais, professores e tantos outros a perceberem que além de uma vida externa, há uma vida eterna, interna que precisa ser cultivada, moldada e parida, uma vez que, para muitos, ainda permanece adormecida, quando não ignorada.

Prof. Dr. Rogério Ferraz de Andrade