Eldorado do Sul: fraternidade, fé e reconstrução

O município de Eldorado do Sul, na Região Metropolitana de Porto Alegre, teve mais de 80% dos seus domicílios atingidos pela enchente do mês de maio. Estima-se que 32 mil pessoas foram afetadas de alguma forma. Dentre tantas histórias, queremos destacar a fé, a fraternidade e o espírito de reconstrução.

Depoimento Pe. Fabiano Glaeser dos Santos, pároco da paróquia Nossa Senhora Medianeira de Eldorado do Sul

“A situação começou a ficar insustentável quando a água começou a chegar em lugares que nunca tinha chegado, como, por exemplo, na Igreja Matriz, em Eldorado do Sul. Na enchente de novembro, um pouco de água chegou na igreja, mas agora um volume grande de água começou a chegar na igreja.

A data que marca a enchente em Eldorado do Sul é 2 de maio, e foi justamente durante a missa. Nós estávamos fazendo tríduo em honra a São José, durante a missa a água chegou na frente da igreja. Aí eu saí de casa, saí da casa paroquial, fui pra casa de uma família da paróquia, que mora num bairro que nunca tinha alagado, e no dia seguinte tivemos que sair, porque a água chegou lá na rua deles e estava entrando dentro de casa. Saímos e fomos para Guaíba, na paróquia Nossa Senhora de Fátima.

Eu fiquei abrigado, ainda estou aqui na casa paroquial da paróquia de Fátima, em Guaíba. Foi um período bastante tenso, embora estivesse bem abrigado. Na casa paroquial, que tem uma estrutura boa de comida, água, cama e chuveiro quente, e um ambiente de uma casa paroquial, mas foi um período muito tenso, vendo que a chuva não passava, que a enchente não passava, vendo que a água não baixava, diferente de outras enchentes, onde a água baixou dois, três dias depois, foi bastante tenso esse período no abrigo. O retorno para Eldorado se deu  umas três semanas depois do começo da enchente.

Eu nunca tinha passado pela experiência de uma enchente, nunca na minha vida. Nunca tinha passado por isso. Foi triste ver que a igreja estava toda revirada, que a casa paroquial estava o primeiro piso destruído, revirado, bagunçado. Perceber que perdi coisas não só pessoais, mas coisas da paróquia, documentos históricos da paróquia, fotos, recordações, documentos de contabilidade, computadores. Foi bastante triste. Não há muitas palavras para descrever o sentimento.

Graças a Deus eu contei com muita ajuda para fazer as primeiras limpezas, tanto na igreja quanto na casa paroquial. Mais de dez padres do vicariato de Guaíba me ajudaram. Inclusive contei com a ajuda do bispo auxiliar e referencial para o vicariato, Dom Odair que, no segundo mutirão, esteve presente e nos ajudou bastante esfregando e lavando. Então essa ajuda foi muito importante. Não só padres, vieram leigos também das paróquias.

Padres com seus leigos, mas a presença dos padres foi muito positiva. Isso chamou muita atenção dos próprios paroquianos. Ver tantos padres com vassoura e rodo na mão ajudando a limpar uma paróquia que não era sua.

Foi muito bom. E muitas doações em dinheiro, doações de materiais de comida das diversas comunidades da Arquidiocese. Nós reabrimos a igreja, rezamos a primeira missa na solenidade da Santíssima Trindade ainda muito improvisado porque nós perdemos os microfones, perdemos materiais de missa.

Então foi uma missa bastante improvisada, mas rezamos a missa e foi muito bom. Contei com um bom número de fiéis que vieram participar da missa. Foi bastante emocionante poder celebrar novamente na igreja matriz depois de quase um mês.”

Empresária perdeu o negócio e ajudou com marmitas

A empresária Daiana Elza Strapazzon Curci, moradora de Eldorado do Sul há 37 anos e integrante da coordenação da paróquia Nossa Senhora Medianeira, teve a casa atingida, perdeu o negócio. Em seu depoimento, ela conta como enfrentou a cheia e se mobilizou para ajudar quando conseguiu retornar para casa.

“O alerta de enchente era apenas para os locais que já ocorriam alagamentos rotineiramente. Não era um alerta para toda a cidade. De casa saímos no dia 3 de maio, pela manhã, ao acordar a água já estava no pátio todo, mesmo a casa sendo alta em relação a rua, minha mãe que mora do nosso lado saiu de barco. Em nossa casa entrou 1,30m, afetando os móveis e utensílios do primeiro andar. Nossa farmácia foi aberta pela Defesa Civil do município, pois está localizada em um dos bairros que encheu por último. Foram levados todos produtos e medicamentos que tínhamos em loja. A porta foi arrombada, perdemos móveis, prateleiras, computadores, documentos.

Como nossa casa foi uma das primeiras a baixar a água, em seguida começamos a limpar, minha prima conseguiu nos fornecer marmitas prontas de Porto Alegre aqui para Eldorado por um tempo, mais depois precisaram entregar a cozinha onde estavam produzindo, porém o pessoal continuou a perguntar sobre marmitas e  não tinha como deixar nossos vizinhos sem refeições, com isso começamos a cozinhar com as doações de comida que havíamos recebido e distribuímos aqui na rua, com o aumento do retorno dos vizinhos, aumentou a demanda por marmitas, e os vizinhos começaram a trazer doações para colaborar com as marmitas. Nossa cozinha com fogão simples e apenas uma mesa auxiliar ficou pequena, então conversei com o Pe. Fabiano e o coordenador do salão aqui do bairro, que nos cederam a cozinha do salão paroquial.  Com isso conseguimos voluntários e hoje tem dias que produzimos 350 marmitas aqui pro bairro.

Precisamos muito de material de limpeza, pois mesmo depois de limpa, as casas continuam a produzir mofo. Temos muitos moradores que estão indo embora da cidade com medo de nova enchente. Precisamos fomentar o comércio novamente em nossa cidade, pois temos muitos comércios pequenos que precisam de auxílio.”

Gratidão e Fé

Janete Silva da Silva é casada, tem uma filha e duas netas. Integrante da comunidade de Nossa Senhora Medianeira, em sua casa a água chegou no telhado. Neste momento, seu apelo é para que a ajuda chegue a realmente quem mais precisa.

“Não me recordo de ter sido informada da enchente. A única coisa que me recordo é que nós estávamos em casa e recebemos mensagem de amigos que as águas estavam chegando em Eldorado do Sul e que aconteceria uma enchente pior do que a última. Então, essa é a informação que nós recebemos e começamos a acompanhar nas redes sociais. Esta enchente afetou todo o nosso lar. Então, na nossa casa, as águas chegaram ao telhado. Nossa moradia foi afetada, nossa atividade profissional, nossa atividade na comunidade.

Ainda não conseguimos nos reestruturar e estamos tentando recomeçar. E tem sido para nós esse período em Guaíba muito difícil, muito complicado. Nesse tempo das cheias nós ficamos na paróquia Nossa Senhora do Livramento. E tivemos todo o suporte necessário no período em que ficamos lá. Nós ficamos em 12 pessoas e, sem palavras, tudo o que foi nos fornecido, tudo o que nós vivemos lá, recebemos muito mais do que imaginávamos.

Ainda há muita gente em Eldorado do Sul que está esquecida. As doações chegam a todo instante, a todo momento, mas eu tenho visto que não tem chegado em quem precisa realmente. Porque na minha rua mesmo, eu vejo aquelas doações a todo instante, mas sempre são as mesmas pessoas que recebem.

O apoio hoje mais necessário, neste momento, de um futuro próximo, o que vem muito no meu coração é que nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que vem da boca de Deus, de toda palavra que vem de Deus. Nesse momento, sinto a cidade muito abalada, enfraquecida por tudo que estamos vivendo e sinto essa necessidade, essa espiritualidade, esse auxílio para o nosso pároco, esse auxílio espiritual para a comunidade, para que nós possamos nos reerguer, porque nós temos muitas histórias bonitas, muitas histórias, muitos testemunhos de vida dentro da nossa comunidade, e isso não pode morrer.”

 

Com informações da Arquidiocese de Porto Alegre