Escutar com o coração!
“Só se escuta bem com o coração, o essencial é inaudível ao ouvido!” Essa poderia ser uma nova versão da famosa frase do Pequeno Príncipe de Saint-Exupéry, no entanto é a expressão que ecoa na minha mente após ler e meditar a mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial das Comunicações, que celebraremos no próximo domingo, dia 29 de maio.
Depois de “ir”, “ver”, “narrar” – que caracterizaram a mensagem de 2021 – este ano Francisco destaca outro verbo fundamental na gramática da comunicação: “Escutar”. E escutar é muito mais do que ouvir, enfatiza o Papa, pois requer proximidade e conduz ao diálogo. Ouvir é um ato físico, deixa-nos na aparência, na superfície, na simples conexão; enquanto o escutar é ato simbólico, comunicativo, de interpretação, que nos conduz à profundidade das questões e da relações. Muitas vezes corremos o risco de ouvir sem escutar, falar sem dialogar. “Só prestando atenção a quem escutamos, àquilo que escutamos e ao modo como escutamos é que podemos crescer na arte de comunicar” porque, sublinha o Papa, “no fundo, a escuta é uma dimensão do amor”.
A verdadeira comunicação existe apenas quando baseada na escuta, pois é na capacidade de escutar, ou seja, no perceber realmente o que o outro diz e pensa, que se alicerça a construção da proximidade, um dos conceitos-chaves de todo o pontificado de Francisco, juntamente com “encontro” e “diálogo”. Ao escutar, encontramos o outro, saímos de nós mesmos, superamos o individualismo e nos tornamos comunidade/comunhão. A verdadeira comunicação, portanto, depende da escuta, não é redutível à simples troca de mensagem, não é uma simples transferência de informações ou dados. Não basta transmitir ou publicar para comunicar, assim como não é suficiente estabelecer um contato com o outro (um “like”, por exemplo) para nos relacionarmos.
Não por acaso, na mensagem o Papa fala de um “apostolado da escuta”, fundamental na ação pastoral. Apostolado profundamente “paulino” eu acrescentaria. Não só porque Paulo afirma que “a fé nasce da escuta” (Rm 10,17), mas sobretudo porque esta era uma das suas estratégias no processo de evangelização. Antes de falar, Paulo escutava. Antes de fundar uma comunidade, ia ao encontro e escutava os seus interlocutores. Antes de dar orientações, escutava as necessidades dos batizados. Antes de escrever suas cartas, escutava os problemas concretos que afligiam as comunidades. Quanta falta faz-nos escutar hoje, seja na nossa vida familiar e profissional, sobretudo na nossa presença nas redes sociais.
O Papa nos alerta ainda para o fato de que o diálogo que brota da escuta é o ponto de partida também para a superação da intolerância, outra característica forte da nossa sociedade que perdeu a capacidade de escutar. Só através do diálogo podemos crescer e mudar de opinião ou de postura, só dialogando (abrindo nosso coração ao “outro”, ao diferente, ao migrante…) podemos melhorar, evoluir, nos superar, nos enriquecer cultural, intelectual e espiritualmente. “Jesus foi um homem de diálogo e de encontro”, recordava o Instrumentum laboris do Sínodo para a Amazônia. Nesse mesmo documento se enfatizava que “o contrário do diálogo é a falta de escuta e a imposição que impedem de nos encontrarmos, de comunicarmos e, portanto, de convivermos” (n. 36).
Além da abertura ao outro, o Papa recorda na mensagem deste ano que “a escuta requer sempre a virtude da paciência, juntamente com a capacidade de se deixar surpreender pela verdade”. Quantas vezes preferimos as fake news que nos convém ao invés da verdade que nos questiona! Para construir uma comunicação autêntica é preciso aceitar a verdade que brota do diálogo, mesmo que esta seja incômoda e não nos agrade. São Paulo é um grande mestre também nesse quesito. O modo como ele se confrontava com as suas comunidades – e até mesmo com os outros apóstolos como vemos no episódio do Concílio de Jerusalém (cf. Atos 15) –, buscando o crescimento mútuo, pode nos iluminar nas nossas relações, na prática pastoral e sobretudo no processo sinodal que estamos vivendo. “Com efeito – afirma o Papa –, a comunhão não é o resultado de estratégias e programas, mas edifica-se na escuta mútua entre irmãos e irmãs. Como num coro, a unidade requer, não a uniformidade, a monotonia, mas a pluralidade e variedade das vozes, a polifonia.”
*fr. Darlei Zanon, religioso paulino